Foto: Bruno Santos/Folhapress/Arquivo
Casas sem saneamento em Macapá, em bairro de palafitas 13 de agosto de 2022 | 07:09

PPPs de saneamento devem bater recorde em 2022, dois anos após novo marco legal

economia

Dois anos após a aprovação do novo marco legal do saneamento e depois do período mais sensível da pandemia, o mercado começa a sentir o reflexo no destravamento de novas PPPs (parcerias público-privadas) envolvendo água, esgoto e resíduos sólidos.

Segundo levantamento exclusivo solicitado pela Folha à consultoria Radar PPP, para este ano, há 57 PPPs entre as etapas de consulta pública iniciada e licitação encerrada, o que faria de 2022 o ano com a maior quantidade de contratos assinados na série histórica, iniciada em 2016.

Esses 57 projetos estão em fase mais adiantada e possuem uma maior probabilidade de serem assinados ainda neste ano. Se apenas 18 desses 57 virarem contratos neste ano, já se chegará ao recorde histórico, ao se somar os 12 contratos já iniciados em 2022.

Ainda que os reflexos do novo marco legal do saneamento possam não estar plenamente internalizados pelos entes públicos e pelo mercado, é fato que há uma expansão de iniciativas em água, esgoto e resíduos sólidos, avalia Frederico Ribeiro, sócio da consultoria Radar PPP.

Das 423 iniciativas novas captadas pelo Radar de Projetos até fim de junho deste ano, 70 são relacionadas ao abastecimento de água e tratamento de esgoto e 70 são relacionadas aos resíduos sólidos, ou seja, um terço de tudo que foi lançado, diz o consultor.

“Atualmente, há mais de 140 projetos nestes segmentos sendo estruturados pela administração pública, de todos os níveis federativos, além de quase 60 iniciativas sendo estruturadas com auxílio da iniciativa privada, por meio do PMI [Procedimento de Manifestação de Interesse].”

Quando considerados os 40 contratos assinados nos últimos dois anos, desde a aprovação do marco do saneamento, 39,2 milhões de pessoas, que moram nesses municípios, devem ser beneficiadas.

“Essa população está recebendo os aprimoramentos dos serviços concessionados de água, esgoto ou resíduos sólidos. Em água e esgoto, vale destaque o projeto estadual do Amapá, estruturado pelo BNDES [Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social] e que abarcou todos os 16 municípios do estado, e o projeto do estado do Alagoas, quatro lotes”, afirma Ribeiro.

O recorde esperado para 2022 se dá pelo reconhecimento de estabilidade do novo marco regulatório e estruturação dos entes federados para essa nova realidade de universalização do saneamento básico, diz Igor Luna, sócio de relações governamentais no escritório Almeida Advogados.

“Um dos aspectos principais a serem considerados para a atratividade do mercado é o estabelecimento de critérios e regras para o aumento da transparência, eficiência e efetividade da prestação dos serviços públicos, que gera um ambiente de maior competitividade ao setor.”

Apesar da expansão da cobertura, problemas persistem, como a desigualdade de acesso, que atinge sobretudo populações mais vulneráveis, como a rural, e gargalos no fornecimento de insumos.

Para a coordenadora geral do Ondas (Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento), Renata Furigo, o objetivo central da lei é a privatização dos serviços de água e esgoto, e não a universalização dos serviços.

“Essa lógica de saneamento como negócio não trará os resultados que estão prometendo”, afirma.

“Os assentamentos informais —favelas, loteamentos irregulares e clandestinos, ocupações etc.— têm características físicas complexas, que encarecem a execução de redes e dificultam a operação dos sistemas. A população rural, por outro lado, foi esquecida nesta lei.”

Quando a lei foi sancionada, em 2020, apenas 6% das cidades eram atendidas pela iniciativa privada. As estatais eram responsáveis pelos serviços em 94% dos municípios.

Segundo ranking do Instituto Trata Brasil, o acesso ao saneamento, além de precário, é desigual em todo o país. A média nacional de coleta de esgoto é de 55%, ante 75,7% nos cem maiores municípios.

No caso de tratamento de esgoto, a média do país é de 51% (e de 64% nos cem maiores municípios). Em cidades como Porto Velho (RO) e Macapá (AP), o acesso da população à água tratada fica abaixo de 38%.

Reportagem recente da Folha já havia apontado, a partir de projeções da Abcon/Sindcon, que as concessões de água e esgoto outorgadas após a aprovação do novo marco têm investimentos somados de R$ 46,7 bilhões. Apesar disso, o segmento ainda precisa contornar problemas, como o aumento de custos e os gargalos no fornecimento de insumos.

Sondagem da Cbic (Câmara Brasileira da Indústria da Construção), com cerca de 200 empreiteiras, apontou que a alta de insumos tem causado impacto financeiro e queda de ritmo de execução das obras: 41,5% das empresas disseram ter tido prejuízo nos contratos.

De acordo com especialistas, alguns pontos do marco também precisam ser aperfeiçoados, como a regionalização.

Assembleias legislativas de todo o país avançaram nos últimos meses em aprovar a organização de agrupamentos municipais em regiões, para facilitar novos contratos. No entanto, ainda não fica claro como a gestão destes blocos regionais vai se dar nos diferentes estados do Brasil e como os projetos passarão a ser modelados, diz o sócio da Radar PPP.

“Essa lei também impede que o município celebre contratos de programa com a companhia estadual, e as formas de privatização são danosas para a sociedade. É uma lei que não prevê controle social, portanto, não sabemos de quem cobrar as promessas não cumpridas”, diz Furigo.

Além disso, o governo também precisa dotar a ANA (Agência Nacional de Água e Saneamento) de funcionários qualificados para emitir novas normas para o setor.

Uma das promessas que ainda precisa se mostrar viável é a entrada de novas modalidades de aportes de recursos, que ajudem a desafogar os orçamentos de cidades e estados.

Nesse sentido, um movimento feito pelo próprio mercado financeiro é o financiamento de empresas de saneamento pela via de debêntures (título emitido para captar investimentos) incentivadas, que são isentas de impostos, tornando-se um bom atrativo para o investidor, lembra Luna.

Roberto Nucci, especialista em Direito Administrativo pela PUC-SP, acrescenta a necessidade de um projeto nacional para recuperação da economia, como ponto de partida para avanço no acesso universal ao saneamento básico. “O papel de um Estado estratégico, fomentador de obras de infraestrutura, inclusive na área do saneamento, poderá gerar riqueza e empregos. Devemos valorizar a experiência das empresas estaduais e municipais nesta área.”

Em resíduos sólidos, Ribeiro, da Radar PPP, cita os exemplos de Campos do Jordão (SP) e Guarantã do Norte (MT), que também alcançaram a assinatura de contrato após modelagem por PMI.

Também há exemplos de municípios ainda na etapa de estruturação, como Erechim (RS), com um projeto de água e esgoto em licitação, Porto Velho (RO), com um de água e esgoto em consulta pública e Foz do Iguaçu (PR), com um de resíduos sólidos em licitação.

Os investimentos em saneamento têm conexão direta com a prevenção na área da saúde, uma vez que significa uma economia de recursos a serem alocados nesta área, no combate de doenças e endemias, e de preservação ambiental, lembra Nucci.

“Os contratos de concessão celebrados até agora são frutos de projetos estruturados, principalmente no âmbito do BNDES”, diz. “Mas com o marco, abriu-se uma janela de oportunidades para a iniciativa privada e os fundos de investimentos, inclusive internacionais.”

O principal ponto da nova lei é o fim do “contrato programa”. “Agora, as empresas estatais devem se submeter ao processo licitatório da mesma forma que empresas privadas, aumentando a competição e o retorno à população”, diz Daniel Gabrilli de Godoy, sócio de Orizzo Marques Advogados.

As estimativas do governo apontam que o novo marco deve injetar entre R$ 500 bilhões e R$ 700 bilhões no setor nos próximos dez anos.

Tido como uma das prioridades da equipe do ministro Paulo Guedes (Economia), o marco legal do saneamento ampliou as possibilidades de entrada das empresas privadas na prestação de serviços do setor.

O projeto busca a universalização do saneamento básico até 2033, cobertura de 99% para o fornecimento de água potável e de 90% para coleta e tratamento de esgoto.

Os prazos podem ser estendidos até 2040, desde que se apresentem justificativas para o não atingimento.

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