21 dezembro 2024
O Superior Tribunal Militar (STM) se tornou alvo de uma reclamação junto ao Supremo Tribunal Federal (STF) por supostamente descumprir uma decisão que determinou a liberação, na íntegra, de áudios de sessões realizadas na corte militar durante a ditadura (1964-1985).
A contestação foi apresentada pelo advogado Fernando Fernandes, que há duas décadas trava uma batalha judicial em torno das gravações. Ele e um grupo de pesquisadores já tiveram acesso a cerca de 10 mil horas de registros judiciais em áudio.
No ano passado, uma parte dos áudios foi revelada pelo professor de história do Brasil Carlos Fico, da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), com quem o conteúdo também foi compartilhado.
Fernando Fernandes pediu ao STM acesso às gravações, mas não conseguiu em um primeiro momento. O advogado recorreu ao STF e teve uma decisão pela liberação do conteúdo em 2006 —que não foi cumprida imediatamente pela corte militar.
A abertura dos arquivos sonoros contendo julgamentos de presos políticos e militares da ditadura foi determinada pelo plenário do Supremo em 2017. Neste ano, porém, o grupo de pesquisadores encabeçado por Fernando Fernandes identificou “suspeitas de que faltam gravações” durante o trabalho de fichamento e transcrição dos processos.
“Faltam gravações classificadas como secretas em todos os arquivos”, diz o advogado na reclamação apresentada ao Supremo Tribunal Federal. Tanto os arquivos públicos quanto os secretos deveriam ter sido liberados para os pesquisadores, segundo decisão da corte. Procurado pela coluna, o STM não respondeu até a conclusão deste texto.
Entre as cerca de 15 sessões de julgamento cujos áudios não foram revelados há casos envolvendo vereadores que tiveram mandatos cassados, de um réu que disse ter sido torturado pela Polícia de São Paulo, de presos políticos que se encontravam incomunicáveis e daqueles que eram acusados de sabotagem, terrorismo e propaganda subversiva.
A sessão que analisou um habeas corpus apresentado pela defesa do militante e jornalista Elson Costa, por exemplo, não foi disponibilizada. Na ocasião, Costa se encontrava preso e incomunicável.
Como a procuradoria militar e o Dops (Departamento de Ordem Política e Social) negaram que Elson Costa estivesse sob sua custódia, o Superior Tribunal Militar julgou o habeas corpus como prejudicado. Costa é um dos mortos e desaparecidos do período, e seu corpo jamais foi localizado.
“Estamos num momento de assentar a redemocratização do país, por isso esse projeto é oportuno e fundamental”, afirma Fernando Fernandes à coluna, ao falar de seu trabalho de pesquisa em torno dos áudios e sobre a insistência para ter acesso à íntegra dos julgamentos.
Em abril do ano passado, quando os fragmentos dos primeiros áudios foram divulgados, seu teor foi ironizado pelo então presidente do STM, o general Luís Carlos Gomes Mattos.
“Simplesmente ignoramos uma notícia tendenciosa, que nós sabemos o motivo. Aconteceu durante a Páscoa. Garanto que não estragou a Páscoa de ninguém. A minha não estragou”, disse, ao ser questionado.
A reclamação apresenta por Fernando Fernandes ao STF é subscrita pelos advogados Guilherme Lobo Marchioni, Otávio Espires Bazaglia e Kayo Sant’anna e pelo acadêmico de direito Rodrigo Souza Siqueira Júnior.
As informações são da colunista Mônica Bergamo, do jornal Folha de São Paulo.
Folha de S. Paulo