26 dezembro 2024
Theodomiro Romeiro dos Santos, militante do PCBR (Partido Comunista Brasileiro Revolucionário) no período da ditadura militar e primeiro civil a receber uma sentença de morte no Brasil republicano, morreu em Olinda (PE) aos 70 anos.
Juiz do Trabalho, ele atuou como magistrado por cerca de 20 anos e estava aposentado desde 2012. Seis anos depois, sofreu um grave AVC hemorrágico e desde então convivia com sequelas da doença. Morreu neste domingo (14) de forma serena, em casa, segundo familiares.
“Theo foi o mais célebre preso político da ditadura. Era um sujeito muito generoso e solidário que se tornou um símbolo ao ser condenado à morte aos 18 anos. É uma dor muito grande perdê-lo”, diz o jornalista Emiliano José, amigo que foi seu companheiro de cela.
Theodomiro nasceu em Natal (RN) e iniciou sua militância política de contestação à ditadura militar ainda muito jovem, no Rio Grande do Norte. Foi morar em Salvador aos 17 anos, época em que estudou no colégio Maristas e participou de ações armadas como um assalto ao Banco da Bahia.
Por sua ligação com o clandestino PCBR, foi preso em outubro de 1970 em um ponto de ônibus nas proximidades do Dique do Tororó, em Salvador. Junto com ele, foi preso o também militante Paulo Pontes.
Os policiais algemaram os dois militantes um ao outro, mas não recolheram seus pertences. Quando já estava no banco de trás da viatura, Theodomiro sacou uma arma que estava em uma pasta e atirou no sargento da Aeronáutica Walder Xavier de Lima, que morreu em decorrência dos ferimentos.
Os militares levaram Theodomiro à sede da Polícia Federal, onde ele foi preso, violentamente agredido, colocado no pau-de-arara e torturado com choques elétricos. Depois, foi transferido para a galeria destinada aos presos políticos da penitenciário Lemos Brito, em Salvador, onde passaria nove anos.
Theodomiro foi julgado em março de 1971 pelo Conselho Especial da Aeronáutica e acabou sendo sentenciado à morte com base em um ato institucional que permitia a pena capital em casos de “guerra externa psicológica adversa, ou revolucionária ou subversiva”. A pena, contudo, foi alterada para prisão perpétua e depois reduzida para 16 anos de prisão em regime fechado.
“Depois de preso, o primeiro momento que tive a certeza de que não seria morto foi quando ouvi a sentença de morte. […] Foi a divulgação e repercussão de minha prisão que me salvou. Minha condenação à morte, eu senti, iria assumir uma dimensão muito grande, o que, de fato, aconteceu”, disse Theodomiro em 1979 em entrevista concedida ao jornalista José de Jesus Barreto.
Pouco antes da aprovação da Lei da Anistia, Theodomiro fugiu da prisão em agosto de 1979 em meio a um clima de relaxamento das prisões políticas.
“Ele achava que estava jurado de morte e tinha certeza que a anistia não o alcançaria por ele ter cometido um crime de sangue. Daí a decisão de fugir naquele momento”, lembra Emiliano José.
Do lado de fora do presídio, raspou a barba para mudar a fisionomia e pegou um táxi até o cemitério do Campo Santo, onde encontrou outros militantes do PCBR e planejou sua fuga de Salvador.
Primeiro, foi levado para uma fazenda no sul da Bahia. Depois, com o auxílio de padres jesuítas, foi abrigado para um convento na cidade de Vitória da Conquista, no sudoeste baiano. De lá, seguiu para um sítio em Bom Jesus da Lapa, cidade que fica às margens do rio São Francisco.
Convencido pelo então dirigente do PCBR Bruno Maranhão, Theodomiro foi para o Rio de Janeiro e de lá seguiu para a Brasília, onde teve ajuda de parlamentares de oposição à ditadura como Chico Pinto e Airton Soares, na época no MDB. O plano era entrar em uma embaixada e criar um fato político.
Acabou escolhendo a Embaixada do Vaticano, onde chegou vestido de padre, pediu uma audiência com o então núncio apostólico e avisou a imprensa. Acabou ficando na embaixada, onde chegou a receber uma correspondência com uma bomba, que acabou sendo identificada e desarmada antes de o pacote chegar em suas mãos.
Em dezembro de 1979, embarcou para o México. De lá, seguiu para o exílio em Paris, onde permaneceu até o fim da ditadura militar e a expiração da sua condenação.
Theodomiro voltou ao Brasil em 1985, fez faculdade de direito e depois acabou sendo aprovado em um concurso para juiz do Trabalho. Entre 2000 e 2004, foi presidente da Associação de Magistrados Trabalhistas. Em nota, o Tribunal Regional do Trabalho da 6ª Região lamentou a morte do juiz aposentado.
A história do preso político é contada no livro “Galeria F”, de autoria do jornalista Emiliano José, e no documentário de mesmo nome dirigido por Emília Silveira. Em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo, em 1995, ele disse que luta armada deveria ser esquecida “não no sentido histórico”, mas no sentido de “permitir uma convivência democrática” entre as forças que dela participaram.
Theodomiro deixa mulher, a também juíza aposentada Virgínia Lúcia de Sá Bahia, e quatro filhos: Bruno, Fernando Augusto, Mário e Camila.
O velório e o enterro acontecem nesta segunda-feira (15) no Cemitério Morada da Paz, no Recife.
João Pedro Pitombo/Folhapress