26 novembro 2024
Único representante do Podemos da Bahia no Congresso Nacional, o deputado federal Raimundo Costa é visto como um político de perfil discreto e de atuação bem definida. Pescador de origem, ele é considerado um dos principais representantes do segmento, e evita, sempre que pode, posições polêmicas. Nesta entrevista exclusiva ao Política Livre, no entanto, ele abre uma exceção quando o assunto é a corrida eleitoral de 2024 em Salvador.
O deputado, também conhecido como Raimundo da Pesca, admite a possibilidade de o seu partido apoiar a reeleição do prefeito Bruno Reis (União) na capital, embora defenda um alinhamento em torno da base do governador Jerônimo Rodrigues (PT), da qual faz parte. Num embate interno com o presidente do Podemos na Bahia, Héber Santana, atual superintendente de Proteção e Defesa Civil do Estado, ele diz que vai manter o controle do diretório da sigla na cidade.
No segundo mandato como deputado federal, o ex-vereador de Valença Raimundo Costa defende o diálogo com os edis da legenda em Salvador, que desejam seguir ao lado de Bruno Reis, e ressalta que as eleições de 2024 na capital também serão tratadas pela Executiva nacional da sigla. Na semana passada, o site revelou que o prefeito tem mantido conversas sobre o pleito com a presidente do Podemos, a deputada federal Renata Abreu (SP).
No papo, Raimundo Costa fala ainda da relação com os governos estadual e federal e, claro, a pesca. Confira abaixo a íntegra da entrevista.
O Podemos, que ficou neutro nas eleições nacionais de 2022, liberando seus quadros, hoje integra a base do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Como está a relação?
Raimundo Costa: Eu diria que está boa. Estamos satisfeitos e acreditamos no sucesso do governo Lula. No meu caso, no segmento que represento, que é a pesca, o governo recriou o ministério do setor e deve avançar na implantação de políticas públicas para quem sobrevive do mar. Claro que um problema ou outro pode existir, mas estamos satisfeitos e confiantes.
O partido ficou sem ministério ou cargos de comando no segundo escalão. Isso não gerou insatisfações?
Nós reivindicamos o Ministério dos Esportes, mas não foi possível, em função das outras articulações do governo. Ficamos com o setor do ministério responsável pelas políticas relacionadas ao esporte amador. O Podemos indicou também a chefia do Geap, que é o plano de saúde dos servidores públicos. Acho que esse processo de relação com o Palácio do Planalto é de construção permanente, de diálogo, e vamos seguir ajudando o presidente Lula, votando com o governo, porque isso é bom para o país.
A sua relação com o governo parece estar indo bem. Em relação aos cargos federais na Bahia, o senhor, que tem uma atuação vista como mais discreta, já faturou duas indicações: a representação da própria Geap no Estado, por meio do seu ex-assessor e presidente do Podemos em Salvador, George da Hora, e a Superintendência da Pesca e Aquicultura, com a nomeação de seu filho Rainan Costa…
São indicações técnicas, de duas pessoas qualificadas. Meu filho, por exemplo, tem uma relação muito forte com a pesca que é de família, a exemplo do bisavô, do avô e do pai. Tenho muito orgulho dele. E George tem feito um excelente trabalho, é outro quadro técnico. São espaços onde podemos contribuir, onde temos experiência de atuação técnica e também política. São áreas onde podemos ajudar o governo e que passamos a ocupar também fruto de uma articulação local, na Bahia. Independentemente de cargos, fui um dos primeiros a defender o apoio do partido ao governo Lula.
O processo de fusão do Podemos e do PSC já foi concluído? Como o senhor avalia os resultados até aqui?
Já está 100% concluído, referendado pela Justiça Eleitoral. Acho que foi bom para os dois partidos. Foi um entendimento bom. Ganhamos mais força, sobretudo no Congresso Nacional. Acredito que o arranjo nos estados também ficou de bom tamanho. Na Bahia, creio que estamos caminhando bem.
Na Bahia, a presidência estadual ficou a cargo do ex-presidente do PSC, Héber Santana, atual superintendente de Proteção e Defesa Civil da Bahia, o que teria sido um acordo nacional no processo de fusão. Haverá um rodízio com o senhor?
Você sabe que o Podemos, em função da construção política para as eleições de 2022, teve a saída do deputado Bacelar (que migrou para o PV e seguiu na base de Jerônimo). Com isso, me convidaram para ingressar no partido, com a intenção de elegermos até três deputados federais. Mas isso não aconteceu e tive a satisfação de ser eleito o único representante do partido na Bahia. Naturalmente, com isso, eu seria o presidente estadual, que era o acordado. Mas, com a fusão e a chegada do PSC, não tive nenhuma vaidade e aceitei. Sou defensor do lema do partido de que juntos podemos mais. Se alguém com a experiência de Héber, que foi deputado estadual e candidato a federal, chega, isso deve ser exaltado. A presidente Renata Abreu me perguntou e eu disse que por mim não teria nenhum problema. Além disso, eu passo muito tempo em Brasília por conta das minhas atividades. Então, dividir o espaço de comando seria o mais correto, com o rodízio.
O acerto também envolveu o senhor continuar no comando do Podemos em Salvador, onde o atual presidente, George da Hora, foi seu assessor e hoje comanda a Geap no Estado?
Sim, dividimos o comando do partido. Eu disse que a gente poderia fazer esse ambiente. Primeiro, ele fica presidente estadual em 2023 e 2024 e depois eu ficaria no período subsequente. Foi o acordado. Claro que indicamos em Salvador (a presidência), até porque aqui tem um diferencial, uma vez que o Podemos está ainda na base da Prefeitura e não poderíamos entrar em choque. Temos George aí que muito nos honra por conduzir esse processo de articulação na capital. Não digo que o partido está dividido, mas estamos dando sequência ao que foi acordado anteriormente.
George então continua e vai conduzir o partido nas articulações políticas e eleitorais na capital?
Não tenha dúvidas. É nosso indicado. Com certeza vai continuar. A questão em Salvador será tratada por ele junto conosco, com Heber, com a presidente Renata. Estamos discutindo para construir um partido mais competitivo do que foi na eleição passada. Queremos ampliar. Vamos discutir sobre 2024, ver a melhor proposta. O partido hoje está na base do governador Jerônimo, mas tem uma questão peculiar em Salvador, que é a capital, e a gente precisa discutir como vai ficar daqui para a frente. Essa discussão ainda será feita e vamos escolher o que for melhor para o Brasil e a Bahia.
O Podemos tem três vereadores hoje em Salvador: Ricardo Almeida, ex-PSC, Sidninho, que deve ir para o PSDB, e Toinho Carolino, que recentemente foi subsecretário na gestão de Bruno Reis. Os três defendem que a sigla continue na base do prefeito. Essa é a tendência para 2024?
Olha, temos que ouvir todo mundo. Ainda não ouvimos o lado do governador, e nem o de Bruno. Não sabemos nem ainda quem é o candidato do governador. Hoje o Podemos tem sim uma vinculação com Bruno na capital e tem também com o governo do Estado. Eu sou da base do governador. A partir de agora, temos de buscar um alinhamento. A gente precisa, em minha opinião, ter um espaço único, para não parecer que ficamos em cima do muro. Mas temos que ter habilidade e respeito de conversar para depois buscar a algo hegemônico.
O deputado estadual Laerte do Vando, único representante do Podemos na Assembleia Legislativa, também está na base do governo. Ele vota com o Executivo estadual. O Podemos pode, a exemplo do PP, ser da base de Jerônimo na Bahia e, ao mesmo tempo, integrar a ala de Bruno Reis na capital?
Tudo é possível. O meu desejo é que a gente caminhe de forma única, definir um caminho de grupo. Queremos um partido forte em Salvador, mas também em outros municípios do interior, e isso também passa pelo diálogo com o governo do Estado. E tem uma coisa que devemos levar em consideração que é a vontade do eleitor, que está acima dessas querelas partidárias.
O partido criará problemas para os vereadores que desejem sair, como é o caso de Sidninho?
Cada um tem o direito de escolher o seu partido. Agora, do ponto de vista de partido, isso é ruim porque o cidadão também se elegeu por aquela agremiação. Não é o ideal que isso aconteça. Por isso, vamos buscar fazer o que a Renata Abreu faz com o partido em Brasília, que é conversar muito com os deputados. Lá, não se faz nada sem discutir com os deputados. É o que queremos fazer aqui na Bahia, em Salvador, promovendo seminários, reuniões, qualificando os vereadores, os prefeitos, provocar um poder partidário maior. Precisamos de um partido que contamine de forma positiva todos aqueles que estão nele.
O Política Livre revelou na semana passada que Bruno Reis tem mantido conversar com Renata Abreu buscando o apoio do partido em 2024. Sabemos que os dois têm uma excelente relação, assim como a presidente nacional do Podemos também dialoga com o ex-prefeito ACM Neto (União). Pode haver uma decisão de cima para baixo na capital?
Salvador é uma capital, e tem um diferencial em relação ao partido, até pela situação peculiar que já mencionei. Renata decidiu que todas as capitais serão discutidas também pelo comando geral do partido. Claro, o Podemos tem liberdade, autonomia, mas essa questão do processo eleitoral nas capitais vai passar pela nacional. Sobre essas conversas que você mencionou, digo que tudo pode acontecer, inclusive nada, como se diz em Brasília. É um momento novo. Quando cheguei ao Podemos, já encontrei essa articulação, esse compromisso do partido com Bruno e, no caso de 2022, com ACM Neto. Eu, como deputado, estou do lado de Jerônimo, mas o partido tem seu CNPJ e os compromissos acordados também precisam ser cumpridos, entendemos isso. Por isso, vamos ter que ver o melhor caminho, a melhor forma de caminhar, respeitando a todos, buscando um alinhamento.
O prefeito participou das articulações para seu ingresso no Podemos antes das eleições de 2022, quando o senhor deixou o PL?
Eu sai do PL porque lá eu não teria muitas chances de ser eleito com a estrutura que eu tinha, principalmente após a entrada de Bolsonaro e de sua turma. Eu, atirador de espingarda, não tinha como competir com atiradores de elite. Por conta da pandemia, não consegui apresentar muito o meu trabalho em prol da pesca. Gostei muito de estar no PL, pois fui muito bem recebido pelo presidente nacional do partido, Valdemar Costa Neto, mas tive que sair, procurar o melhor caminho para representar meu segmento. Minha política é a do voto, do compromisso, não sou de fazer mídia, propaganda. Lembro que o então governador Rui Costa (PT) me ofereceu para ingressar no Avante ou no PSB, mas disse que também seria complicado para mim também pelas dificuldades que eu teria eleitoralmente. Teve também a possibilidade de ingressar no MDB, mas não conhecia muito bem a nominata do partido, que estava dividido entre estar num grupo ou no outro. Quem primeiro me convidou para ingressar no Podemos foi a ex-deputada federal Dayanne Pimentel, mas o curioso é que quando eu ingressei no partido, ela saiu. Mas ai eu disse que não saia mais. Fizemos um acordo com Bruno e com Neto e tive o aval dos dois. Bruno estava coordenando o processo político e nos ajudou dando nomes para ingressar no Podemos e deu no que deu. Agradeço muito a eles todos.
Como é sua relação hoje com Bruno Reis?
Sempre tive uma relação excepcional, digo, muito boa com Bruno, respeitosa, republicana. Até porque minha campanha foi feita no Podemos com esse acordo já firmado entre o partido e o prefeito, e apenas dei sequência ao projeto de Neto.
O partido ocupa espaços hoje na Prefeitura?
O partido ocupa o espaço que já tinha quando nós chegamos. O acordo que foi feito permaneceu e não temos nenhum entendimento novo. Oficialmente, temos um cargo de coordenação de pesca por meio de Sildevan (Nóbrega, ex-vereador e ex-deputado estadual). Depois da nossa eleição não mudou mais nada.
Após as eleições, o senhor optou por retornar à base do governo do Estado. Por quê?
Olha, eu tenho um conceito muito grande e sei da importância do partido, dos compromissos do partido, já fui também do PRB e sempre me coloquei como um parlamentar de base. A minha experiência política é defender uma causa, que é a pesca. Fui vereador em Valença por 24 anos defendendo a pesca. Depois, vim para Salvador e fui presidente da Federação dos Pescadores da Bahia. A minha candidatura nasceu nesse segmento, e por isso sou chamado de Raimundo da Pesca. O mandato não é meu, é do segmento. E não tenho como fazer políticas públicas para meu segmento estando na oposição, entende? Não sou deputado de discurso, e nada contra quem seja. Sou porta-voz de uma categoria e preciso atender os pescadores, as necessidades deles. Quando, nacionalmente, o Podemos discutiu integrar a base do governo Lula, fui logo um dos primeiros a defender essa posição. Lula fala a linguagem do pescador, que é apaixonado pelo presidente, que recriou um ministério só do segmento. Por isso, com muita tranquilidade decidi também aceitar o convite de Jerônimo de fazer parte da base, porque eu faço isso defendendo os interesses dos pescadores. Portanto, não tenho nenhuma insatisfação ou preocupação de ter adotado essa posição.
O Podemos está satisfeito com o espaço destinado pelo governador, que foi a Superintendência de Proteção e Defesa Civil (Sudec), ocupada por Héber Santana?
O cargo não é nem do Podemos, posso dizer. Até porque esse espaço de Héber foi negociado ainda no segundo turno das eleições (de 2022), quando ele ainda era PSC e apoiou Jerônimo depois de estar com ACM Neto no primeiro turno. Foi um acordo costurado por ele. O Podemos em si ainda não tem nada em nível de espaço político no governo atual.
Houve um pleito do partido?
Temos, sim. Já estive com o governador, falei dos nossos projetos, das nossas intenções. Além disso, negociamos aqui o espaço que ocupamos em nível federal. A Superintendência da Pesca e Aquicultura foi uma indicação nossa intermediada por aqui. Vale salientar, inclusive, o papel do senador Jaques Wagner (PT) nesse processo. Ele que fez essa aproximação do Podemos com os governos federal e estadual. Repito: fizemos indicações técnicas, assim como foi também o caso da Geap aqui na Bahia, e tudo tem dado muito certo.
Coube ao senador Ângelo Coronel (PSD) indicar o comando da Bahia Pesca, hoje a cargo do empresário Daniel Benefício. O órgão tem sido bem conduzido?
Temos um carinho muito grande pela Bahia Pesca, que hoje está com Diego (Coronel, deputado federal do PSD e filho do senador). O governo está começando, mas tenho certeza que a pesca está no horizonte de prioridades de Jerônimo. Ele é muito sensível a essas questões. O que a gente quer ver é uma Bahia Pesca pujante e, para isso, que tenha recursos para fomentar o segmento, seja a aquicultura ou a pesca artesanal. Trata-se de um segmento que tem um grande potencial de produção, de geração de emprego e renda. Movimenta toda uma cadeia produtiva.
Como o senhor lembrou no início da entrevista, o presidente Lula recriou o Ministério da Pesca, ao qual a superintendência comandada por seu filho na Bahia é subordinada. Já houve avanços nesse setor por conta da pasta, que no governo Jair Bolsonaro (PL) era só uma secretaria no Ministério da Agricultura?
Só o fato de ter recriado o ministério já sinalizou para o segmento a disposição do atual governo em dar prioridade à pesca, principalmente a artesanal, responsável por 70% do pescado que chega hoje para consumo da população. Agora, é preciso que o ministério tenha recursos. O Congresso Nacional também precisa fazer a sua parte, tratando dessa questão como prioritária, por exemplo, na reforma tributária. O setor, assim como outros, também precisa ser olhado com mais carinho e atenção, deve receber estímulos. Na Câmara, também tenho procurado, ao longo desses anos, fazer a minha parte, embora a pandemia tenha atrapalhado muito esse trabalho de destinação de recursos federais para o segmento.
O senhor é um dos autores, na Câmara, do projeto de criação do Fundo de Amparo à Pesca Artesanal, que tramita desde o governo Bolsonaro. Essa proposta vai avançar agora?
Esperamos que sim. Esse é um projeto muito importante. A pesca artesanal sempre foi exercida na minha família e é assim desde as origens da população brasileira. A pesca é muito artesanal, exercida por ribeirinhos, por famílias que não têm muito estudo, que não têm acesso à tecnologia. Assim foi com meu avô, com meu pai, que são exemplos disso. Hoje, você não compra um barco por menos de R$200 mil. Tem que pagar isso em parcelas suaves. Tem ainda que comprar remo, rede. E tem um detalhe: a atividade pesqueira é sensível aos efeitos do meio ambiente, do mar. Qualquer impacto que ocorra atinge logo o setor. Foi o que aconteceu com aquele vazamento de óleo em 2019. Quem sofre primeiro é o meio ambiente, e depois o pescador, porque as pessoas deixam de comprar pescado com medo do peixe estar contaminado. Esse fundo pode ser criado com parte das multas ambientadas arrecadadas. Temos apresentado vários projetos com esse objetivo de fortalecer o segmento, que pode ser explorado, inclusive, por quem pratica a agricultura familiar. Outra coisa importante é casar a atividade pesqueira com o turismo, o que também tem um enorme potencial, principalmente por meio do estímulo a ações das próprias comunidades tradicionais, respeitando, claro, as questões ambientais.
Política Livre