Foto: Ricardo Stuckert/PR
Presidente Lula (PT) 24 de fevereiro de 2024 | 16:10

Governo Lula turbina crédito a estados e municípios e libera R$ 43 bi no 1º ano da gestão

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O governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) turbinou a concessão de crédito a estados e municípios em seu primeiro ano de mandato e permitiu a injeção de ao menos R$ 43,3 bilhões em dinheiro novo para gastos e investimentos, segundo levantamento feito pela Folha a partir de dados do Banco Central.

O total liberado foi provavelmente maior porque o registro do BC não inclui operações com organismos multilaterais, que foram autorizadas em até US$ 3,26 bilhões –de acordo com outra base de dados, mantida pelo Tesouro Nacional.
Ainda assim, as contratações junto a instituições nacionais representam um crescimento de 142% em relação a 2022. Para este ano, o espaço será ainda maior, de até R$ 74,2 bilhões.

Trata-se de uma guinada na política de crédito para estados e municípios, alimentada principalmente por bancos públicos federais.

Técnicos e economistas temem que o boom de empréstimos vire uma bomba-relógio, reeditando a flexibilização ocorrida entre 2012 e 2014, no governo Dilma Rousseff (PT) –considerada o embrião da crise que, nos anos seguintes, levou ao parcelamento de salários e ao calote nas dívidas com a União.

Com mais acesso a crédito, governadores e prefeitos já pisaram no acelerador em 2023. Com as despesas turbinadas pelos empréstimos, o superávit primário dos estados caiu de R$ 39 bilhões em 2022 para R$ 27,5 bilhões no ano passado.

Já os governos municipais saíram de um superávit de R$ 25,9 bilhões para um déficit de R$ 9,8 bilhões no mesmo período. A piora dramática no resultado alimenta os crescentes pedidos de socorro feitos por prefeitos em ano de eleições municipais.

A ampliação dos empréstimos atende a um pedido de Lula, que já na campanha eleitoral prometia facilitar o acesso de estados e municípios a recursos para ampliar investimentos e contribuir na sustentação da atividade econômica. Mas a decisão também aproveita uma brecha criada na gestão de Jair Bolsonaro (PL).

Em 15 de dezembro de 2022, o governo passado decidiu retirar do limite fixado pelo CMN (Conselho Monetário Nacional) as operações contratadas por entes que aderiram a planos de ajuste acompanhados pelo Tesouro Nacional. Isso inclui estados que renegociaram suas dívidas com a União em 1997 e aqueles que ingressaram em programas de socorro mais recentes, como o RRF (Regime de Recuperação Fiscal).

A decisão criou uma esteira paralela de empréstimos, que só neste ano pode ficar em R$ 48,2 bilhões. O limite formal do CMN para 2024 dá ainda um limite extra de R$ 26 bilhões.

Galeria Veja fotos do lançamento do Novo PAC Compareceram ao evento o presidente Lula, ministros do governo e o prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes https://fotografia.folha.uol.com.br/galerias/1773970999480717-veja-fotos-do-lancamento-do-novo-pac *** O Tesouro confirmou à Folha que o espaço total neste ano é a soma dos dois valores (ou seja, R$ 74,2 bilhões), embora “não seja possível precisar o valor global que será contratado”.

Na justificativa da mudança, o então Ministério da Economia alegou que todos os planos de ajuste já preveem limites individuais de crédito, e a exclusão das operações do limite global “não prejudica a supervisão macroeconômica do endividamento público subnacional”.

Além disso, como as novas exceções reduziriam a competição dentro do limite do CMN, ele foi reduzido a R$ 10 bilhões.

O governo Lula assumiu e não só manteve as exceções mas também aprovou sucessivos aumentos no limite oficial, que chegou a R$ 33 bilhões no ano passado.

Técnicos mais antigos veem a expansão das operações com preocupação. A expressão usada nos bastidores é “liberou geral”. Por outro lado, eles enxergam um esgarçamento da linha de defesa dos servidores do Tesouro para proteger os cofres do governo diante das pressões políticas de toda sorte.

Há ainda um incômodo com o retrocesso na transparência das informações, que turva a visão dos analistas econômicos sobre o quadro real das finanças. As exceções são, na verdade, o maior volume de operações, e mesmo assim alguns especialistas em política fiscal se mostraram surpresos com a existência dessa esteira paralela quando questionados pela reportagem.

Parte das operações fora do limite nem sequer passa pelo sistema do Tesouro que fica acessível ao público geral. Se forem contratadas junto a organismos multilaterais, tampouco serão registradas pelo BC.

Em 2023, R$ 1,1 bilhão em operações internas e US$ 739 milhões em contratos externos tramitaram fora do sistema público do Tesouro, segundo dados informados pelo órgão após pedido da reportagem.

O crédito para estados e municípios é um elemento relevante para compreender o quadro fiscal e econômico do país. Quando não são desvirtuados para bancar despesas correntes (como aumentos salariais), esses empréstimos puxam os investimentos a curto prazo, impulsionando o PIB (Produto Interno Bruto).

O problema é que o empréstimo abre espaço para ampliar despesas. E, quando esse fôlego acaba, há risco de desequilíbrio e dificuldade para bancar obrigações com servidores e credores.

O economista Ítalo Franca, do Santander, calcula que os investimentos de estados e municípios aumentaram para 2,05% do PIB em 2023, ante 1,75% do PIB em 2022.

“Os municípios estão em uma situação mais preocupante. Teve uma deterioração rápida, o resultado acabou sendo o maior déficit da série histórica. É um sinal amarelo”, diz. “Para a frente vai ter que ter alguma medida de ajuste, e esse limite diminuir”, avalia.

A economista Vilma Pinto, diretora da IFI (Instituição Fiscal Independente, órgão do Senado que monitora as contas públicas), alerta que os governos regionais estão assumindo dívidas substanciais diante de um cenário em que a reforma tributária pode alterar sua capacidade de arrecadação no futuro, de forma positiva ou negativa.

“É um risco pensar em aumento de endividamento no contexto de mudança no sistema tributário”, diz. Para ela, o cenário atual lembra o início da crise fiscal dos estados na década passada.

No governo Dilma, a maior concentração de empréstimos irrigou justamente estados que já estavam em péssimas condições financeiras, entre eles o Rio de Janeiro. Uma portaria permitia ao ministro da Fazenda da época, Guido Mantega, autorizar as concessões para entes com as piores notas em caráter de exceção –que, como agora, virou regra.

Anos depois, o Tesouro precisou honrar as garantias nos empréstimos. Desde 2016, a União desembolsou R$ 64,4 bilhões para cobrir valores não pagos por estados e municípios –dos quais só R$ 5,6 bilhões foram recuperados.
“O maior risco é termos uma piora. Podemos até observar uma melhora de curto prazo, porque a operação de crédito naturalmente vai gerar mais investimento e refletir no aumento de receitas. A minha preocupação é mais com o médio prazo”, afirma a economista.

Diante desse histórico, a diretora da IFI avalia que o alerta é necessário para que a situação não se repita agora. “Ampliar o volume de empréstimos pode ter esses efeitos”, afirma.

A Folha questionou o Ministério da Fazenda sobre os efeitos dos empréstimos no PIB e os riscos fiscais envolvidos na expansão, mas não houve resposta até a publicação deste texto.

O diretor institucional do Comsefaz (Comitê Nacional dos Secretários de Fazenda dos Estados), André Horta, diz ver dois motivos para a expansão dos financiamentos aos estados. O primeiro é o represamento na concessão de garantias da União para essas operações, que ele credita a um “conjunto de dificuldades federativas” experimentadas durante o governo Bolsonaro.

O segundo motivo, mais objetivo, foi a melhora das notas de crédito atribuídas pelo Tesouro aos governos estaduais, que abriu caminho para as contratações.

“O Tesouro se sente mais confortável em conceder garantias para empréstimos nessas circunstâncias. O que vem a ser muito bom para economia dos estados, uma vez que estimula investimentos em infraestrutura, saúde e educação”, diz.
A reportagem também procurou a CNM (Confederação Nacional dos Municípios), mas não houve resposta.

Idiana Tomazello e Adriana Fernandes / Folhapress
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