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Executivos da empresa tentaram cooptar funcionários das instituições financeiras, diz PF 29 de junho de 2024 | 11:26

Mensagens mostram pressão da Americanas para bancos mudarem informações prestadas a auditorias

economia

Os executivos da Lojas Americanas buscaram cooptar funcionários dos bancos Itaú e Santander para adulterar documentos enviados a auditorias externas que analisavam as contas da varejista, apontam mensagens coletadas pela Polícia Federal.

O material é um dos elementos da atuação da diretoria da empresa na fraude contábil que resultou no rombo de R$ 25,2 bilhões utilizados pela PF para deflagrar a operação Disclosure na quinta-feira (27).

Mensagens da diretoria mostram a pressão feita para que funcionários das duas instituições deixassem de fora o termo “risco sacado” das cartas enviadas para auditorias externas, conhecidas no jargão técnico como cartas de circularização.

O risco sacado é uma operação entre varejistas e bancos, que emprestam dinheiro para que as empresas paguem os fornecedores. Para a varejista, o benefício é uma melhor condição de pagamento, como prazo maior. Em troca, paga juros, de onde vem o lucro das instituições financeiras. A fornecedora recebe o valor previsto no contrato com a varejista.

Americanas utilizava o recurso para ter fluxo de caixa condizente com o que afirmava ter em seus balanços fraudados. O problema é que eles não incluíam a dívida de risco sacado no balanço, aumentando o tamanho da fraude.

O Itaú negou qualquer participação direta ou indireta na fraude da Americanas. “O banco sempre prestou às auditorias e aos reguladores informações corretas e completas sobre as operações contratadas pela empresa”, disse, em nota, a instituição financeira.

“Os informes enviados às auditorias sempre alertavam para a existência das operações de risco sacado. Os diretores da Americanas envolvidos na operação interagiram com representantes do Itaú no sentido de retirar os alertas. O banco nunca concordou com esse pedido e inclusive interrompeu, por mais de 6 meses, as operações de risco sacado”, prossegue a nota.

O Santander repudiou “qualquer insinuação contrária à lisura de sua relação com a Americanas” e afirmou que o banco também é vítima da fraude.

“A instituição sempre informou integralmente os saldos das operações da Americanas no Sistema Central de Risco do Banco Central, que constitui uma entre as possíveis fontes de auditagem, além das cartas de circularização”, acrescentou.

As cartas enviadas pelo Itaú e pelo Santander para as auditorias eram discutidas antes com a Americanas, que tentava encontrar formas de tirar o termo “risco sacado” do documento. Como a operação não constava no balanço oficial da empresa, a sua menção poderia levar as auditorias a descobrirem a fraude.

Em mensagens discutindo o balanço de 2016, o ex-diretor financeiro da Americanas, Fabio Abrate, diz que tinha chegada a uma solução com o Santander.

Dias depois, Abrate diz que “o assunto azedou” e afirma que o Itaú não vai se comunicar direto com o auditor e que enviará a carta no formato pedido pela companhia para um funcionário da Americanas. No corpo do e-mail viriam as solicitações de mudanças. “O corpo do e-mail não nos ajuda”, resume.

“Agora é a hora! Vamos com tudo. Itaú não é Santander. Assunto azedou muito. Podemos ter efeitos colaterais”, conclui Abrate. A partir daí, o ex-diretor relata como está fazendo para convencer o Itaú a enviar a carta nos moldes desejados pela Americanas.

Em um outro e-mail obtido pela PF, Abrate relata que funcionários do Itaú tinham pedido sugestões de texto para alteração das cartas de circularização que seriam enviadas às auditorias.

Sobre o episódio, o MPF (Ministério Público Federal) diz que os bancos, contrariando o desejado pelos executivos, “informaram à auditoria a existências das dívidas decorrentes das operações de risco sacado”.

“A partir de então, foi realizada uma operação para obter outros documentos das instituições bancárias, de forma a iludir os auditores”, aponta o texto

Na quinta-feira, (27), a Polícia Federal cumpriu mandados de busca e apreensão contra ex-diretores e pessoas ligadas à Americanas. Além disso, a Justiça Federal determinou o sequestro de bens e valores destes ex-diretores que somam mais de R$ 500 milhões.

Não houve nenhuma ação envolvendo os bancos nessa operação.

Os mandatos de prisão são direcionados para o ex-CEO Miguel Gutierrez, preso nesta sexta-feira (28) em Madri, e a ex-diretora Anna Saicali, que deixou o país no último dia 15 e é procurada.

A defesa de Miguel Gutierrez disse que não teve acesso aos autos das medidas cautelares e por isso não comentaria o assunto. “Miguel reitera que jamais participou ou teve conhecimento de qualquer fraude e que vem colaborando com as autoridades, prestando os esclarecimentos devidos nos foros próprios”, acrescentou.

Lucas Marchesini e Fabio Serapião, Folhapress
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