Foto: Valdemiro Lopes/Arquivo/CMS
Vereador Sílvio Humberto diz que ainda não desistiu de ser candidato a prefeito no futuro 08 de julho de 2024 | 10:27

Entrevista – Sílvio Humberto: “Os negros ainda são tratados como exceções em Salvador ou até com um certo exotismo”

exclusivas

No terceiro mandato, o vereador Sílvio Humberto (PSB), atual líder da oposição na Câmara Municipal de Salvador, diz que ainda não desistiu de ser candidato a prefeito da capital. Uma das lideranças do movimento negro na cidade, ele afirma que as circunstâncias políticas não permitiram que isso ocorresse este ano e por isso garantiu apoio ao vice-governador Geraldo Júnior (MDB).

Nesta entrevista ao Política Livre, Sílvio fala sobre as eleições deste ano e defende que haja uma “convergência” dos movimentos sociais e da esquerda em torno de Geraldo Júnior. Ou seja, se houver restrições de ordem política ou partidária ao nome do emedebista, que a ideia de um novo projeto para a capital prevaleça.

O vereador também mantém as críticas à filiação do cantor Igor Kannário ao PSB e aposta que o partido pode, ao menos, dobrar a representação no Legislativo municipal. Ele aposta ainda que a oposição na Câmara vai crescer, rebatendo as contas feitas pelo prfeito Bruno Reis (União).

Na entrevista, Sílvio Humberto fala também sobre as desigualdades sociais e o racismo que ainda vigoram em Salvador. Leia a íntegra da entrevista abaixo:

Política Livre – Salvador tem avançado no combate às desigualdades sociais e no enfrentamento ao racismo?

Silvio Humberto – Acho que Salvador não conseguiu sair do círculo vicioso da pobreza e isso tem a ver com o fato de o racismo seguir estruturando as relações de poder e sociais. Quando vamos para os indicadores, vemos o quanto Salvador pode muito, mas a população negra tem uma situação de indignidade. Temos que avançar muito, por exemplo, no combate à desnutrição. Salvador não tem creches suficientes. A nossa educação ainda deixa a desejar. Do ponto de vista econômico, o PIB (Produto Interno Bruto) de Salvador, que antes liderava no Nordeste, agora perdeu espaço para Fortaleza (CE) e Recife (PE) está chegando. Isso demonstra que existe uma concentração de renda na mão de poucos e muitos estão sofrendo. Enquanto não se resolver enfrentar o racismo e o sexismo, não vamos avançar. Veja, por exemplo, que o tratamento dispensado aos ambulantes segue o mesmo.

Mas o senhor coloca a culpa disso na Prefeitura apenas?

Se você avaliar que o orçamento da Prefeitura chegou a R$6 bilhões ou R$8 bilhões e faz uma previsão de R$14,4 milhões a gente nota que a cidade mudou pouco. Salvador não gera trabalho e renda adequados para atender a nossa juventude. O que vemos na nossa cidade é a instalação cada vez maior de drogarias e supermercados e isso é muito pouco para satisfazer a demanda dessa juventude que está aí. Por isso, muitos jovens estão saindo de Salvador em busca de oportunidades. Temos um orçamento que cresce, mas o que falta na nossa cidade é uma discussão sobre perspectiva. Sinto que temos um planejamento reativo apenas, sem nos aprofundarmos em questões que de fato contribuam para essa mudança de patamar.

“Quem ganha dinheiro de fato com o Carnaval? Certamente não é o ambulante, que praticamente só troca dinheiro durante a festa”

Outro problema da cidade é a violência, que atinge principalmente a população negra e pobre. Não vale uma crítica ao governo do Estado por conta disso?

Toda a sociedade precisa se envolver nessas questões. Se você continuar achando que o problema se resolve com uma guerra contra as drogas, seguiremos tendo cada vez mais corpos negros violados e mortos. Então, é preciso tratar dessa questão também enfrentando as causas sociais da violência, para que se possa combatê-la. Tratar desse tema apenas por meio da força policial é enxugar gelo. Acho que o governo do Estado avançou quando decidiu instalar as câmeras nos uniformes dos policiais. Foi um passo importante. Mas precisa investir mais em inteligência. Os poderes públicos e a sociedade precisam atuar com políticos junto à juventude, com educação em tempo integral. Precisamos avançar nos indicadores econômicos e sociais da cidade. A juventude não pode continuar sendo alvo da criminalidade. Vejo muito desperdício de talento com a experiência de 30 anos que tenho no Instituto Steve Biko.

Como funciona o instituto, que foi fundado pelo senhor?

Lá, é um exemplo de que quando se investe em educação os resultados aparecem. Sou um dos fundadores e funciona no Largo do Carmo. Futuramente, nossa sede será ali no início da Avenida Sete de Setembro. Hoje, nós temos uma turma com 75 alunos e programas de sucesso, como o Oguntec, que estimula a juventude na área da ciência e inovação, com dez escolas envolvidas. Procuramos tirar a juventude da violência. Uma professora nossa, inclusive, ganhou o Prêmio Jovem Cientista, em 2008. Temos ainda o programa Oxumtec, que envolve as famílias e mães desses jovens. Por isso, essas ações de combate à violência precisam envolver não só os governos, mas toda a sociedade.

O senhor costuma criticar, inclusive, o fato de a cidade não eleger representantes negros na proporção da sua população. É culpa de quem?

Vivemos hoje numa cidade da afroconveniência. Se tivermos alguém no poder que de fato olhe para os indicadores, teríamos como explorar melhor nosso potencial. Um exemplo disso é o Carnaval. Quem ganha dinheiro de fato com o Carnaval? Certamente não é o ambulante, que praticamente só troca dinheiro durante a festa. Não temos igualdade para valer. A desigualdade é enorme. E os negros ainda são tratados como exceções em Salvador ou até com um certo exotismo. Do que adianta trazer a Beyoncé se no dia seguinte não acontece nada. Já trouxemos aqui o Nelson Mandela, com o movimento negro, e precisamos participar de fato desse processo político com mais candidatos negros para diminuir o abismo social. Essa á uma coisa processual. Mas, acima de tudo, precisamos acreditar que nós podemos. Tem aí, também, uma questão subjetiva. Você olha para cima e não se vê representado porque muitos dizem que você não pode. Temos que entender que quando se vive a igualdade para valer, a dignidade humana é entendida como valor fundamental e passa a fazer parte das políticas públicas. Mas há um retrocesso quando se tenta, no Congresso, aprovar uma proposta que anistie aqueles partidos que fraudaram a questão das cotas.

Esse assunto, por sinal, parece unir quase todo o Congresso, inclusive políticos do seu partido, o PSB…

Mas eu acho que está equivocado. É preciso entender isso profundamente, porque tem a ver com a vida das pessoas. Ou se quer uma mudança real ou cosmética. Quando se quer igualdade para valer, é preciso garantir que a diversidade aconteça efetivamente. E precisamos, inclusive, encontrar outros caminhos para assegurar isso, avançar algumas casas, e não retroceder.

Em Salvador, o senhor apoia a pré-candidatura do vice-governador Geraldo Júnior (MDB). Ele representa os anseios do movimento negro?

Eu acho que a chapa montada dialoga. A presença da ex-secretária estadual Fabya Reis (PT) equilibra isso. Claro, precisamos analisar e pensar nisso mais para a frente também. Por exemplo, em caso de vitória, é preciso que o candidato já garanta uma montagem de governo com 50% de mulheres e pessoas negras, que isso seja um piso, e não um teto, para daí ter mais igualdade. Isso é uma forma de materializar a igualdade na prática. Essa tem que ser uma preocupação até como forma de combater o racismo, que sempre que tiver uma chance vai se manifestar. Isso faz parte desse processo de disputa política.

O governador Jerônimo Rodrigues (PT), que o senhor apoia, não observou esse aspecto de participação de mulheres e negros na montagem do governo. Aliás, é algo que não acontece realmente. Foi um erro? Acha mesmo que isso seria observado por Geraldo Júnior?

Por isso temos que seguir pressionando, por meio dos movimentos, para continuar pautando isso. Temos que cobrar. Cobrar, por exemplo, para que os projetos na área de geração de emprego e renda respeitem isso. Cobrar para que as empresas que se instalem no Estado mediante benefícios fiscais respeitem e preguem essa questão da diversidade. Como eu já falei antes, é algo processual, que precisa ser cobrado para acontecer com o tempo e que seja rápido. O governo precisa entender que isso é estratégico, é um ativo importante para a Bahia e que precisa ser usado.

Ainda se fala muito que Geraldo Júnior não tem o apoio ou a simpatia de parte da esquerda, inclusive do movimento negro. Isso é verdade?

É um processo, e as pessoas, mesmo aquelas com dificuldades, vão aderindo ao processo. A campanha está de fato começando agora, faltando 90 dias para a largada oficial. E Geraldo tem crescido. Essa questão de fazer um plano de governo participativo, com reuniões e eventos em diversos pontos da cidade, é uma metodologia que contribui para juntar as pessoas. É um processo de convencimento, que é mais lento. A política a gente faz com cenários e condições possíveis. Às vezes, no primeiro momento, você não consegue juntar todos, mas tem o encontro do ponto de convergência. Aliás, a convergência a se construir em torno de Geraldo Júnior é muito mais do que unidade, porque você se junta em prol do objetivo para apresentar a visão diferente do que Salvador precisa e sair do círculo vicioso da pobreza.

O senhor chegou a ser cotado como pré-candidato a prefeito pelo PSB, assim como a deputada federal Lídice da Mata, presidente do partido. Depois, o senhor foi cotado como possível vice de Geraldo Júnior. Por que não está na chapa majoritária, uma vez que representaria bem o movimento negro e a esquerda, por sua trajetória? E por que não é do PT?

Veja, tivemos momentos diferentes. Não foi a primeira vez que me coloquei como pré-candidato pelo partido. A gente entende que tem amadurecimento e que a cidade precisa realizar o sonho ancestral da população negra e as pessoas cobram que essa questão seja colocada. E, nas condições objetivas, ali no conselho político, quem se colocou melhor foi Geraldo Júnior. Então, essa página está virada e vamos apoiá-lo. Mas isso não significa que desistimos desse sonho, e seguiremos na luta. Sobre a vice, foi algo que acabou não evoluindo nas conversas, por conta das circunstâncias que se colocaram. Simplesmente não foi o momento, mas estamos muito bem representados Fabya.

“O que eu disse na época, e reafirmo, é que não vejo aderência do projeto dele (Igor Kannário) com o do nosso partido”

Vamos falar um pouco da disputa majoritária. O senhor foi um dos críticos da filiação do ex-vereador, ex-deputado e cantor Igor Kannário ao PSB. Mantém a sua posição? Ele será de fato candidato a retornar à Câmara Municipal?

Isso está posto dentro do partido. Tem até a convenção para decidir isso. O que eu disse na época, e reafirmo, é que não vejo aderência do projeto dele com o do nosso partido. Até a convenção, sigo trabalhando pela minha reeleição. Estou no terceiro mandato e busco a renovação para o quarto sempre com a coerência, que é uma característica minha. Continuo sendo oposição não à cidade, mas defendendo princípios de igualdade que possam valer em Salvador, lutando pela questão da sustentabilidade, contra a venda e destruição de áreas verdes. Esses são lemas para mim. Sobre quem serão os personagens do partido, quem vai compor conosco, faz parte do show da democracia e o povo que decide.

Houve consulta ao partido antes da filiação de Igor Kannário ou foi algo imposto pelo vice-presidente do PSB baiano, Rodrigo Hita, que também vai concorrer a uma cadeira no Legislativo municipal?

Houve uma consulta a mim e a outras pessoas, que se posicionaram contra, mas a maioria considerou que era viável se colocar isso, de forma democrática. Mas esse debate poderia ter sido feito com mais tempo, para tentar se ouvir e até convencer. Eu não discuto a pessoa e sim o projeto político. Não tenho nada contra ele, não é essa a questão. Só gostaria de entender melhor qual o projeto político que venha a coadunar com o nosso. Até hoje não consegui enxergar isso. Mas isso não tem sido pauta agora e sim na convenção.

Acha que o PSB, que hoje só tem o senhor de representante, pode ampliar a bancada em outubro?

A nossa ideia é que sim. Espero que a gente dobre ou até possa eleger três vereadores alinhados aos nossos princípios. É uma disputa difícil, mas temos confiança.

O prefeito Bruno Reis (União) tem dito que vai ampliar ainda mais a bancada dele na Câmara Municipal. Isso significa diminuir o tamanho da oposição. O senhor acha que isso é possível?

Eu diria que a oposição vai aumentar o seu tamanho. O prefeito precisa antes combinar com as pessoas. Eles têm hoje 33 basicamente. Pelo que estou sentindo, pelo cenário, vamos aumentar de tamanho. As pesquisas agora não importam muito. O que vale é o resultado das urnas.

Havia uma queixa, inclusive de alguns petistas, de que falta um empenho maior de Geraldo Júnior e do governo do Estado para ajudar os vereadores e pré-candidatos aliados na disputa proporcional. Isso avançou?

Eu diria que a gente está tendo uma construção consertada. É algo complexo. Estamos ouvindo as pessoas, conversando, criando os meios e condições, inclusive para favorecer quem não tem mandato, mas é pré-candidato. Isso está sendo gestado pelo conselho político, com a participação da deputada Lídice, do ex-vereador Henrique Carballal (PDT), do ex-vereador Heber Santana (Podemos). São as pessoas que estão na frente disso, conversando também com os vereadores, e sinto confiança de que vamos avançar.

“Muniz tem conduzido de forma magistral enquanto presidente. Tem ouvindo a todos, trabalhando para que as votações sejam acordadas dentro do colégio de líderes”

Como o senhor avalia a gestão do presidente da Câmara, Carlos Muniz (PSDB)? Ele, que é aliado do prefeito, tem sido correto com a oposição na Casa?

Muniz tem conduzido de forma magistral enquanto presidente. Tem ouvido a todos, trabalhando para que as votações sejam acordadas dentro do colégio de líderes. Tem determinados projetos que o Executivo não faz o dever de Casa e que são ajustados com o apoio do presidente. Temos sido respeitados com essa postura de Muniz, assim como era também a postura de Geraldo Júnior quando foi presidente da Casa.

Política Livre
Comentários