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Meirelles revela em livro de memórias que Lula pediu corte de juros para atingir meta de crescimento

Meirelles revela em livro de memórias que Lula pediu corte de juros para atingir meta de crescimento

Por Adriana Fernandes/Folhapress

20/09/2024 às 19:00

Foto: Antonio Cruz/Agência Brasil/Arquivo

Henrique Meirelles, ex-presidente do BC do governo Lula e ex-ministro da Fazenda no governo Michel Temer

Em 2007, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) estava no início do seu segundo mandato e tinha acabado de anunciar a criação do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento). A meta era crescer em média 5% ano, mas os juros em 11,25% eram um empecilho para os planos do presidente da República.

Na véspera da reunião do Copom (Comitê de Política Monetária), Lula ligou para o seu presidente do Banco Central: "Meirelles, eu nunca te pedi nada", disse. "É verdade", respondeu Henrique Meirelles. "Pois hoje eu vou te pedir. Vou te pedir que corte os juros, porque senão nós não vamos crescer os 5% da nossa meta. Você precisa colaborar e baixar a taxa de juros."

O diálogo é descrito por Meirelles no livro de memórias "Calma sob Pressão", da editora Planeta, que será lançado na terça-feira (24), em São Paulo.

Meirelles conta que respondeu a Lula que não precisava cortar os juros. "Nós vamos fazer a política monetária correta e o Brasil vai crescer mais do que 5%", argumentou o ex-banqueiro, ex-ministro da Fazenda e candidato à Presidência em 2018 pelo MDB, hoje com 79 anos.

O Copom manteve juros no mesmo patamar, Lula ficou zangado e parou de conversar com Meirelles. Meses depois, em nota cifrada numa coluna de jornal, recebeu o recado do petista: "A raiva passou".

Após 17 anos do pedido para o BC cortar a taxa Selic e com Lula de volta à Presidência para o terceiro mandato, a leitura do livro, escrito na primeira pessoa, passa a sensação de que a política econômica brasileira segue cercada dos mesmos impasses e dilemas do passado.

Pelo fato de Lula estar novamente no Palácio do Planalto, o 8º capítulo do livro "Sob Fogo Amigo 2003 -2008 " é, sem dúvida, o mais rico em detalhes sobre o jogo político, as intrigas dentro do governo e a pressão nos gabinetes de Brasília do ponto de vista de um dos principais personagens da cena econômica do país das últimas três décadas.

Alguns dos dilemas econômicos da época descritos na autobiografia, como a tentativa de acelerar o crescimento via aumento das despesas e estímulos fiscais, ataques ao BC para pressionar a redução dos juros e risco de contabilidade criativa, são temas das manchetes nos dias atuais.

O próprio Meirelles em uma das passagens do livro aborda esses problemas ao dizer que as políticas monetária e fiscal caminharam bem no primeiro mandato de Lula. "Palocci entendeu um conceito que muitos economistas da esquerda se recusam a aceitar: o gasto público tem efeito apenas até um certo ponto. O que gera emprego e crescimento de um país é o setor privado, não o público".

No capítulo "No olho do furacão - a crise do suprime", que trata dos anos da crise financeira internacional de 2008, momento de elevada tensão que explica o nome ao livro, Meireles não mede as palavras para relatar o confronto com Guido Mantega, que substituiu Antônio Palocci na Fazenda. A batalha era sobre o rumo das medidas a tomar.

"No meio do caos, o ministro Guido Mantega veio falar comigo. Ele não queria que o BC fizesse o leilão, mas que as linhas de crédito que estavam sendo disponibilizadas com recursos das reservas internacionais fossem canalizadas apenas pelo Banco do Brasil. Eu disse não", lembra.

As constantes trombadas entre Meirelles e Mantega nos bastidores eram conhecidas em Brasília, mas Meirelles fornece um olhar mais próximo aos conflitos da época.

Em outro trecho, Meirelles revela que Aloizio Mercadante o procurou ainda na campanha eleitoral de 2002 para que desistisse da candidatura a deputado pelo PSDB com o aceno de Lula para ser presidente do BC. Mercadante deixa claro na conversa que não dava para Meirelles ser presidente do BC de um governo do PT tendo sido eleito deputado pelo PSDB.

Lula venceu as eleições e Meirelles, eleito, desistiu do mandato aceitando o convite, com o compromisso do presidente de ter independência. De acordo com Meirelles, Lula também prometeu apresentar um projeto para deixar na "letra da lei a independência do BC". Lula concordou, mas o projeto não foi apresentado. A autonomia do BC, aprovada no governo Bolsonaro, virou alvo de críticas de Lula anos mais tarde.

Um segunda sondagem, desta vez para ser ministro da Fazenda no lugar de Joaquim Levy, foi feita pela presidente Dilma Rousseff, em novembro de 2015, por intermédio de Jaques Wagner (PT-BA), então ministro da Casa Civil e hoje senador.

No governo Temer, Meirelles propôs o teto de gastos, odiado pelo PT, que o substituiu no primeiro ano do Lula 3 pelo arcabouço fiscal. Para ex-ministro da Fazenda, o reconhecimento pelos banqueiros centrais das medidas de enfrentamento da crise de 2008 e o teto de gastos são os pontos mais altos e desafiadores da sua vida pública.

No livro, ele também conta episódios da sua infância e juventude em Goiás e do começo da vida profissional. Entres essas histórias, o serial killer que foi motorista da família e a disputa pelo grêmio estudantil em que escapou de ser baleado.

À reportagem, Meirelles diz que Lula tem que concluir que o governo precisa gastar menos. "Enquanto ele próprio e a equipe acreditarem que gastar mais é a solução, vamos ter essa questão [o problema fiscal]".

"Pela minha própria experiência o que funciona mesmo é cortar despesa e não ser criativo na contabilidade. É isso que faz com o que o Brasil possa crescer mais". O livro de memórias, diz, era um sonho antigo.

Lula assina um dos prefácios e Temer, o outro. "Faço questão de destacar a lealdade dele [Meirelles] ao nosso projeto de crescimento econômico com inclusão social", escreveu Lula.

Por coincidência, o lançamento do livro acontece na semana seguinte em que o Copom subiu a taxa Selic na primeira alta no governo Lula 3 e com o diretor de Política Monetária do BC, Gabriel Galípolo, já indicado para presidir o BC.

Galípolo passa agora por um teste de fogo para mostrar que não será subordinado a Lula. "O Galípolo vai sofrer muito mais pressão do que o Meirelles. A expectativa que o PT tem sobre o Galípolo é muito maior", diz Thomas Traumann, coordenador editorial do livro.

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