26 dezembro 2024
Se no Brasil são os “santinhos” que desafiam a paciência do eleitor em época de votação, no Uruguai são as listas eleitorais. As ruas estão cheias de militantes que dão ao eleitor a relação de partidos que eles devem colocar num envelope e nas urnas neste domingo (27) caso queiram apoiar aqueles candidatos.
“Não vejo a hora que acabe, já estou cheio delas! Veja quantas tenho”, diz o motorista de aplicativo que abre o porta-luvas cheio de papéis de vários partidos, enquanto leva a reportagem até o comício final da esquerdista Frente Ampla (FA) em um parque de Montevidéu.
Em uma América do Sul de disputas cada vez mais polarizadas, ninguém espera uma mudança radical caso a FA, coalizão histórica de partidos de esquerda e centro-esquerda, volte ao poder.
Seu candidato, o ex-professor de história Yamandú Orsi, 57, liderava as pesquisas, com 41%; Álvaro Delgado, 55, veterinário que representa o projeto de continuidade do atual governo de centro-direita do Partido Nacional e foi secretário-geral da Presidência, aparece em segundo lugar, com 22%. Nas últimas sondagens, o advogado Andrés Ojeda, 40, do também centro-direitista Partido Colorado e famoso por postar fotos de seu físico de academia, ganhou tração, com 16%.
Os uruguaios já trabalham com o cenário mais provável de que haverá segundo turno, a ser realizado em 24 de novembro. A preocupação agora está mais voltada para quem conseguirá maioria no Congresso —serão eleitos 30 senadores e 99 deputados.
Num país no qual são poucos os mecanismos de ação do presidente (não há, como no Brasil, as medidas provisórias, por exemplo), o chefe do Executivo depende muito do Legislativo.
A força política que tiver a maioria poderá argumentar no segundo turno que vai ter governabilidade, algo que tem peso no Uruguai.
Ainda que esteja na dianteira de todas as pesquisas, a Frente Ampla se verá diante de outro cenário na provável segunda etapa da eleição, quando se unem todos os votos da chamada Coalizão Republicana (ou multicolor), legendas de direita e centro-direita que atuam juntas: partidos Nacional e Colorado, Cabildo Aberto e outros nanicos.
Os projetos em disputa competem sem divergências radicais. Pela Frente Ampla, Orsi, um pupilo do ex-presidente José “Pepe” Mujica, defende pautas como a ampliação de benefícios sociais e o fortalecimento da segurança para mitigar o narcotráfico, que avança na nação de 3,4 milhões de habitantes.
Pelo Partido Nacional, Álvaro Delgado propõe menos impostos e mais mecanismos para atrair investimentos do exterior. Visto como alguém de pouco carisma, tem penado para herdar o capital político do atual presidente, Luis Lacalle Pou, seu aliado—a Constituição impede o governante de concorrer a um segundo mandato consecutivo.
Com voto obrigatório, a participação eleitoral tende a girar em torno de 90%, robusta em comparação com a região. As campanhas tentam chamar a juventude a ir às urnas. No último ato de campanha da Frente Ampla, nesta semana, a candidata a vice, Carolina Cosse, tocou no assunto, num discurso com um quê poético.
“Não ‘dá no mesmo’ se você não comparecer. No mundo de hoje tentam nos confundir, mas não temos que aceitar as coisas como são. Somos fundamentais, ainda que nos queiram convencer de que não”, disse ela no palco posicionado no Parque Batlle, em Montevidéu.
Nesse país de ampla participação política, o domingo também será marcado pela votação de dois plebiscitos. Chamado pela maior central sindical do país, a PIT-CNT, um deles propõe que se estabeleça na Constituição a idade mínima de aposentadoria em 60 anos, não mais 65. Nem a cúpula da Frente Ampla apoia o projeto, que deve fracassar.
O outro plebiscito, este convocado pelo governo, propõe permitir invasões policiais noturnas em residências com a justificativa de combater o narcotráfico.
Essa proposta, sim, ganhou fôlego, diante do aumento de relatos de violência causados por grupos criminosos. Considerada alta para os padrões locais, a taxa de 10,7 assassinatos por 100 mil habitantes em 2023 é, no entanto, bem inferior aos 22,8 por 100 mil registrados no Brasil no ano passado.
O novo presidente eleito do Uruguai toma posse apenas em março de 2025, em uma data importante para o país sul-americano: os 40 anos de redemocratização, quando o primeiro governo eleito nas urnas assumiu após a ditadura militar (1973-1985).
Com pupilo de Mujica, esquerda larga na frente nas eleições no Uruguai; pleito acontece hoje
Mayara Paixão/Folhapress