9 janeiro 2025
Vereador de Salvador desde 2008, Carlos Muniz (PSDB) é hoje um dos políticos mais influentes da capital baiana. Eleito presidente da Câmara Municipal no último dia 2, após assumir o cargo na legislatura passada com a renúncia, em 2022, do então vereador e hoje vice-governador Geraldo Júnior (MDB), o apoio do tucano já é, inclusive, disputado pelo governo e pela oposição para as eleições de 2026.
Em entrevista exclusiva ao Política Livre, concedida nesta quarta-feira (08), na residência do vereador, Muniz faz um rápido balanço da gestão como presidente da Câmara e também trata de política. Um dos temas abordados é a reforma administrativa do prefeito Bruno Reis (União), que tem tirado o sono de muita gente.
Ele também critica tanto o governador Jerônimo Rodrigues (PT), a quem não descarta apoiar novamente em 2026, quando o prefeito por não terem desarmado o palanque eleitoral, e cobra uma ação efetiva dos dois para enfrentar o problema do transporte público e da falta de vagas em creches na capital.
Carlos Muniz responde ainda sobre a possibilidade da criação de uma federação entre o PSDB e o PSD do senador Otto Alencar e faz elogios ao deputado federal Adolfo Viana, principal liderança tucana no plano estadual. Confira abaixo a íntegra da entrevista:
Quais os desafios para esse segundo mandato como presidente da Câmara Municipal de Salvador?
Segundo mandato, mas é a primeira vez que que tive a satisfação de ter sido eleito para o cargo de presidente da Câmara. Na legislatura passada, eu realizei o sonho de assumir a presidência substituindo o hoje vice-governador Geraldo Júnior (MDB), que era o chefe do Legislativo municipal e renunciou para assumir a nova função. Meu maior desafio é melhorar a vida do povo de Salvador, principalmente nas áreas da educação, da saúde e do transporte público. Temos um problema grave e histórico na educação infantil que precisamos resolver o mais rápido possível. Não é possível mais que tenhamos falta de vagas para crianças em creches, impedindo que mães possam trabalhar para ganhar o pão de cada dia. Na saúde, temos milhares de pessoas aguardando para fazer exames como um simples ultrassons. E temos um transporte público caro e de má qualidade. Claro que não tem solução mágica para tudo, mas a Câmara pode atuar para, ao menos, melhorar a situação. Seguiremos também fazendo uma gestão de austeridade para que possamos, no final de cada ano, devolver recursos ao Executivo. No final de 2024, devolvemos mais de R$20 milhões, que serão aplicados em investimentos em saúde e educação.
Na legislatura passada, o senhor buscou atuar junto à Prefeitura para tentar promover avanços no transporte público, sobretudo na questão do subsídio ao sistema. Acha que houve melhorias para justificar o reajuste de R$0,40 na tarifa de ônibus?
Em relação ao reajuste, nós tínhamos dois anos sem aumento. E as empresas de ônibus não vão aceitar funcionar no prejuízo. Eu tenho dito que não existe transporte público de qualidade sem subsídio. Hoje, a Prefeitura não quer subsidiar. E o Estado também não quer, embora já faça com o metrô. Para compensar o subsídio ao metrô, ele segue cobrando os impostos para o transporte público convencional, sem fazer nenhuma isenção do ICMS para contribuir com a redução da tarifa. Eu acho que o governo do Estado tem que fazer a parte dele, eliminando impostos que incidem sobre o transporte para beneficiar a população. Tenho certeza que, se Prefeitura e Estado atuarem juntos nessa questão, vai melhorar muito ou até resolver o problema. Mas, infelizmente, existe falta de vontade política para resolver.
Mas a Câmara aprovou, no ano passado, um projeto enviado pelo prefeito Bruno Reis (União) garantindo um subsídio de R$205 milhões ao transporte público…
Mas isso valeu até 31 de dezembro de 2024. Acho um erro a Prefeitura não fazer novamente em 2025, até para assegurar que o sistema não quebre, e isso seria muito mais caro para o município, que teria de bancar integralmente. Hoje, se fosse levar em consideração todos os custos, impostos e tal, a passagem de ônibus em Salvador era para custar R$6,60. Quem pode pagar isso? E quanto menos pessoas usam o sistema por não poderem arcar com a tarifa, mais caro ele fica. E o governo do Estado tem que fazer a parte dele também, como eu disse. O governador Jerônimo Rodrigues (PT) foi outro dia para a TV criticar o aumento da passagem de ônibus na capital, mas ele, que subsidia o metrô, e se não o fizesse, a tarifa seria bem mais cara, não tem feito nada para melhorar essa situação do transporte por ônibus na cidade. Enquanto isso, o povo segue sofrendo, e eu sei porque busco me colocar no lugar das pessoas.
Como presidente, uma das marcas do senhor tem sido a de articular para que os vereadores apresentem projetos de lei que, além de constitucionais, tenham de fato impacto na vida das pessoas. Tivemos, inclusive, uma queda no número de vetos do prefeito a iniciativas dos edis. Isso é sinal de que seus esforços tiveram efeito positivo?
Na realidade, não é fácil você lidar com 43 pessoas que pensam diferente. E mais difícil ainda é lidar com tantos assessores que trabalham para os vereadores e que acham que podem fazer as coisas da maneira que querem. Mas a gente tem conversado com os vereadores e tem conseguido fazer com que eles entendam que o projeto, para ser votado em plenário, precisa antes passar pelas comissões de Constituição e Justiça (CCJ) e Finanças e Orçamento. Isso tem ajudado bastante a melhorar a qualidade dos projetos e reduzir a quantidade de vetos.
Entre os projetos de impacto aprovados ano passado na Câmara está o de sua autoria que obriga os estabelecimentos comerciais a disponibilizarem sacolas recicláveis aos consumidores, inclusive gratuitamente, após um ajuste no texto. Tem acompanhado a aplicação da lei?
Sim, e eu tenho recebido elogios. Até chegou um projeto na Câmara, no final do ano passado, de autoria do vereador Alexandre Aleluia (PL), para retirar a obrigatoriedade da gratuidade nos estabelecimentos atacadistas. Eu espero que isso seja reprovado, para que a gente não retroceda. O povo não pode ficar pagando duas vezes. Porque quando você compra um produto, o preço da sacola já está embutido no valor do que você comprou.
Em relação ao Executivo, talvez o principal projeto a ser enviado este ano é a revisão do Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano (PDDU). Tem prazo para chegar e ser votado?
Eu acho que o PDDU deve chegar no primeiro semestre na Casa e o povo de Salvador pode ficar tranquilo porque este projeto será votado de uma forma em que todos tenham conhecimento do que está sendo votado. É um projeto que mexe com a vida de todo cidadão, tanto de quem mora na Graça quanto no Subúrbio. É um projeto muito difícil, até porque muitas pessoas nem sabem o que é o PDDU. Todos precisam procurar saber mais e participar desse debate. Eu pretendo fazer, no mínimo, 20 audiências públicas nos bairros para que o povo tenha conhecimento. Serão dez audiências nas Prefeituras-Bairro e outras dez por indicação dos líderes comunitários. Então, a apreciação da revisão do PDDU deve durar de quatro a cinco meses na Câmara.
A oposição, que diminuiu de tamanho depois das eleições, costuma reclamar que os projetos do Executivo são aprovados de forma acelerada. O senhor concorda com isso?
A oposição tem conhecimento de todos os projetos que chegam do Executivo. Na minha gestão, eles nunca tomaram bola nas costas. Eu dou conhecimento, envio para as comissões, e eles têm acesso. Então, ninguém pode dizer que os projetos são aprovados na surdina. Se a crítica é de que deveria haver mais tempo para o debate, até que eu posso aceitar, mas o governo, que é maioria, também tem o instrumento da urgência para acelerar prazos. Mas a oposição sabe que eu sempre busco atuar de forma correta, estimulando, inclusive, que os projetos sejam emendados com sugestões da minoria, porque isso é bom para a população. É importante a presença da oposição, mesmo que em tamanho menor, até para fazer o contraponto. E eu seguirei tratando todos os vereadores de maneira igual, até porque todos nós é que fazemos a gestão daquela Casa.
A redução do tamanho da oposição é um resultado direto do desempenho da candidatura de Geraldo Júnior ao Palácio Thomé de Souza?
Sim, e também por conta da falta de interesse do governo do Estado em trabalhar para que a oposição crescesse. Eu não vi empenho do governo do Estado, nem por Geraldo Júnior e nem pelos vereadores da minoria.
Como o senhor avalia a manutenção do vereador Kiki Bispo (União) como líder do governo, conforme anunciado pelo prefeito?
É um bom líder, uma pessoa que tem feito um excelente trabalho, só que precisa de mais poder. Não adianta você ter um líder e não dá poder a ele para negociar. Não adianta um vereador estar com um problema num bairro, por exemplo, e o líder do prefeito não ter poder para intervir. Como líder, ele tem que ter acesso para resolver problemas. Isso até fortaleceria ele.
A relação política do Executivo com a Câmara tem sido positiva?
O secretário de Relações Institucionais [secretário de Governo], Cacá Leão, é um excelente quadro, como digo todos os dias, mas ele também precisa de mais autonomia para resolver os problemas que chegam até ele. Assim, vai ajudar mais o prefeito Bruno Reis. Mas nessa relação entre Executivo e Legislativo, eu tenho feito a minha parte. Todos os acordos feitos por mim foram cumpridos.
O prefeito Bruno Reis já definiu com o PSDB o espaço do partido na reforma administrativa?
Não teve essa conversa ainda. Não foi oferecido, de forma definitiva, nenhum espaço, mas acho que as coisas irão evoluir. Na realidade, acho que Bruno não vinha priorizando essa reforma. E os cargos são ele. Ele que nomeia quando quer. Então, essa é uma pergunta que deve ser feita a ele, mas estamos tranquilos. Não tenho dúvidas de que o prefeito vai cumprir tudo o que combinou com o PSDB.
Mas há um acordo entre o Bruno Reis e o PSDB para que o partido assuma novamente a Secretaria de Educação?
Na realidade, esse acordo existiu há dois anos atrás, o compromisso de que o partido retomaria a indicação na Educação a partir do nosso crescimento, que já tínhamos certeza de que ocorreria nas eleições do ano passado. Eu não participei desse acordo, certo? Mas tendo certeza que ele existiu, não vejo dificuldades em o prefeito cumprir. Agora o cargo é do prefeito. Ele tem o tempo dele. Assim como eu sempre fiz em minha vida, tenho certeza que Bruno vai cumprir o acordo. As conversas estão evoluindo para isso, eu acredito.
E se o acordo não for cumprido, como fica a relação entre o PSDB e o prefeito?
Eu vou acompanhar o meu partido. Mas, como presidente da Câmara, vou seguir cumprindo o meu papel. Não vou brigar com o prefeito porque a cidade perde com isso. Não farei nada de ruim para a cidade. Não vou penalizar a população por conta de política, entendeu? Mas, como eu disse antes, tenho certeza que o acordado será cumprido. Até porque o PSDB cresceu, ficou maior, somos a segunda maior bancada da Câmara, e muita gente não acreditava que isso fosse ocorrer. Ficamos maiores do que o Republicanos, partido que se respeita, que ocupa espaços importantes na Prefeitura, com as secretarias de Infraestrutura e de Manutenção, além da Desal (Companhia de Desenvolvimento Urbano). Parabenizo ao presidente do Republicanos na Bahia, o deputado federal Márcio Marinho, por isso. O PSDB também tem que se respeitar.
O senhor acredita que existe uma articulação do ex-prefeito de Salvador ACM Neto (União) para manter na pasta o atual secretário de Educação, Thiago Dantas?
Na realidade, eu não vejo isso. Não vejo intromissão de ninguém. Eu acho que essa é uma questão do prefeito, de Bruno, que certamente vai cumprir a palavra e não vai deixar de fazer isso por interferência de ninguém. Se ele decidir manter alguém, é porque acha que está fazendo um bom trabalho. Ou porque acha que a indicação para substituir não é porreta.
O senhor sempre se colocou como amigo de Geraldo Júnior. Depois da derrota fragorosa em 2024, quando será o futuro do seu ex-aliado político?
Continuo amigo de Geraldo, apesar de não caminharmos juntos em 2024. Espero e torço que ele seja vice de novo na chapa do governador Jerônimo Rodrigues, mesmo sabendo que essa disputa pela chapa vai ser grande.
Em 2022, o senhor apoiou Jerônimo e Geraldo. O senhor pode apoiar a reeleição do governador?
Aí eu tenho que ter uma conversa primeiro com o PSDB. Se o partido liberar, eu vou pensar se vou apoiar ou não, entendeu? Estando num partido como o PSDB, não posso dizer que sou livre para fazer isso ou aquilo. Então, é algo que tem de partir, antes, de uma conversa coletiva. Eu não me arrependo de ter apoiado Jerônimo em 2022.
Mas o senhor hoje é a maior liderança do PSDB em Salvador. Não ficaria ruim para o partido, que tende a apoiar uma eventual candidatura de ACM Neto (União) ao governo, se o presidente da Câmara Municipal seguir por outro caminho?
Por isso estou dizendo que vou antes conversar com o partido. Claro, a tendência é de apoiar novamente ACM Neto, mas isso não está decidido nem por mim e nem pelo PSDB. As conversas ainda irão acontecer. Depois que eu entrei no PSDB, várias pessoas me ligaram dizendo que eu cometi um erro, que era para eu ter entrado em um partido grande, mas eu sou uma pessoa que gosta de desafios. Se eu tivesse entrado no Republicanos ou no União Brasil, não teria destaque nenhum, seria apenas mais um, com todo respeito a todos. Mas eu assumi esse desafio e fizemos o PSDB crescer em Salvador. Além disso, o deputado federal Adolfo Viana, o nosso (ex) presidente do partido (na Bahia), é uma pessoa de palavra, com quem eu queria ter feito política há muito tempo. É uma pessoa que, ao assumir um compromisso, você pode dormir tranquilamente com a cabeça no travesseiro. Ele teve um papel fundamental para que o PSDB crescesse em Salvador, nos dando as condições para que isso ocorresse. E vamos crescer ainda mais em 2026, nesse trabalho conjunto com Adolfo, com (o deputado estadual) Tiago Correia (atual presidente da sigla no Estado).
Como o senhor avalia o fato de Jerônimo ainda não ter recebido Bruno Reis em audiência em dois anos de governo?
Eu acho que o prefeito é o governador precisam descer do palanque e resolver os problemas da população. Não é hora de pensar na eleição de 2026. Isso é até uma falta de respeito com o cidadão de Salvador. Sentar para resolver o transporte público, os problemas da falta de vagas em creches, da regulação da saúde. Veja, como é que o governador vai receber o prefeito se o prefeito fica falando mal dele, e vice-versa? Eu, no lugar do governador, já teria recebido. Deixaria a política de lado neste momento.
O senhor é a favor da formação de uma federação entre o PSDB e o PSD, que está sendo discutida no plano nacional? A Bahia e Salvador, onde os dois partidos estão em campos políticos opostos, seriam obstáculos para a concretização dessa aliança?
Eu acho que não. Se for algo que faça a gente se fortalecer para poder melhorar a vida do povo de Salvador, da Bahia, dos brasileiros, acho que pode acontecer. Sou contra isso se for apenas um acordo do poder pelo poder. Se for algo apenas para atender aos interesses de políticos em Brasília.
Com a expressiva votação que o senhor recebeu em 2024, pensa em ser candidato a deputado em 2026 ou vai seguir vereador?
Continuarei sendo vereador, porque o cargo de deputado acaba afastando o político do povo. Vou continuar trabalhando pela cidade, como sempre fiz, independentemente de ser ou não presidente da Câmara. Eu estou hoje presidente, mas veja que eu nem ando com segurança quando estou fora de agenda institucional. Sou uma pessoa simples, procurado tratar todo mundo bem, recebo assessores da Câmara em minha casa e meu gabinete está aberto o tempo inteiro aos demais 42 vereadores. Eu corto o cabelo no mesmo cabelereiro de 35 anos atrás. Acho que por isso nunca tive dificuldade nas minhas eleições, porque eu falo a língua da população. Toda quinta e sexta visito os bairros de Salvador, principalmente as comunidades onde sou votado, que represento. Não estou fazendo isso agora por conta das atribuições da Câmara, e porque vou tirar uns dias de recesso, fazer uma viagem. Mas a partir de fevereiro retomo essa rotina. O vereador tem que estar nos bairros, ouvindo as demandas e buscando as soluções para os problemas. Não pode fazer isso de quatro em quatro anos. Por isso, eu não tenho dificuldade alguma em andar nos bairros, ao contrário do que ouço de alguns vereadores.
Faltou isso a alguns vereadores na legislatura passada, já que a renovação da Câmara foi de quase 40%?
Acho que os vereadores que não foram reeleitos não convenceram a população do quanto trabalharam, porque as pessoas confiam que você vai resolver os problemas que elas têm nos bairros. E muitas vezes você não pode fazer isso. Um exemplo: o vereador Marcelo Maia (DC). A votação dele dobrou em 2024 na comparação com 2020, mas ele não conseguiu se reeleger, convencer o eleitorado, embora tenha trabalhado muito, principalmente em Brotas, onde atua. Vários outros que não tiveram êxito eleitoral também trabalharam muito, como Toinho Carolino (DC), mas não conseguiram mostrar isso ao eleitor. Espero que os novos que chegaram tenham um resultado melhor na próxima eleição. Não é uma tarefa fácil. Até porque o vereador sempre é cobrado, mesmo quando não tem força para resolver o problema. A população acha, por exemplo, que o vereador pode impedir o reajuste da tarifa de ônibus, porque muita gente não sabe que isso sequer passa pela Câmara, porque é uma decisão exclusiva do Executivo.
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