24 junho 2025
Então pouco afeita aos holofotes, Michelle Bolsonaro subiu ao palco do Maracanãzinho no dia 25 de julho de 2022, durante a convenção do Partido Liberal, pressionada por estrategistas do então presidente Jair Bolsonaro, que apostava nela para reduzir a rejeição entre mulheres. Resistente a aparições públicas na campanha, a primeira-dama surpreendeu a todos ao entoar um discurso de 12 minutos em tom pastoral que capturou a atenção da plateia.
Até então reservada aos bastidores, ela caminhou com desenvoltura pelo palco, recebeu presentes das mãos de apoiadores e fez uma fala repleta de referências bíblicas. Elogiou a beleza do marido, arrancando risos da plateia, e listou ações do governo em prol das mulheres. Ali, segundo aliados, começava sua transição de primeira-dama para figura política.
Três anos depois, Michelle é vista como um dos nomes mais competitivos para substituir Jair Bolsonaro na campanha presidencial de 2026. Isso porque outras lideranças da direita têm encontrado obstáculos dos quais a ex-primeira-dama até agora se manteve distante.
Os governadores de Goiás, Ronaldo Caiado (União), Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), e do Paraná, Ratinho Jr (PSD), ainda não angariam apoio suficiente. Pablo Marçal (PRTB) foi condenado à inelegibilidade pela Justiça Eleitoral. Eduardo Bolsonaro (PL-SP) se autoexilou nos Estados Unidos e agora enfrenta uma investigação no Supremo Tribunal Federal (STF). Tarcísio de Freitas (Republicanos), por sua vez, tem um caminho pavimentado e seguro para a reeleição no governo de São Paulo.
Na medida em que vê seu nome ser cotado para suceder o marido como a candidata para enfrentar o PT de Luiz Inácio Lula da Silva, Michelle organiza um dos maiores eventos do PL Mulher, setorial que ela preside, em Brasília nesta sexta-feira, 6. O encontro nacional de mandatárias do Partido Liberal deve reunir na capital centenas de vereadoras, deputadas e dirigentes de todo o País — e pode mostrar a força da ex-primeira-dama como articuladora política.
A reportagem tentou falar com a ex-primeira-dama, mas os pedidos não foram aceitos. O espaço segue aberto.
A programação do evento dá uma pista dos temas que Michelle prioriza em sua atuação. Estão previstas palestras sobre família, a postura da mulher na política, cancelamento social e violência política, eficiência, inclusão e voluntariado. Tratam-se de acenos aos conservadores, ao eleitorado feminino, aos defensores da iniciativa privada e às pautas sociais. Ela também lança seu livro “Edificando a nação” ao fim do dia — que carrega um léxico familiar ao público evangélico.
A ascensão de Michelle como liderança da direita veio acompanhada de uma atuação bem-sucedida à frente do PL Mulher, onde tem carta branca de Valdemar Costa Neto, presidente do partido. Michelle é apontada pela sigla como responsável pelo salto de 370% na filiação feminina. Em 2024, entrou de cabeça nas eleições municipais, gravou para candidatas, subiu em palanques e manteve em seu Instagram uma seleção de candidatas que apoiava.
A atuação recente destoa daquela que ela teve durante o governo Bolsonaro, distante das disputas políticas e dedicada principalmente às pautas sociais.
Quem convive com Michelle diz que a transformação é evidente — ela “virou a chave” e passou a atuar de forma política nos últimos anos. Os aliados da ex-primeira-dama contam que ela tomou gosto pelos palanques nas duas últimas eleições. Em 2018, quase não participou da campanha do marido; em 2022, já percorreu o País com agenda própria, especialmente no segundo turno. No ano passado, mergulhou nas eleições municipais, impulsionando candidaturas femininas, como a da deputada Rosana Valle, em Santos (SP).
Bolsonaro mencionou em algumas ocasiões a possibilidade de Michelle concorrer à Presidência. Pessoas próximas ao casal, no entanto, dizem que a preferência do ex-presidente recai sobre o filho Eduardo.
Se não é o nome preferido de Bolsonaro, Michelle pode ganhar força por outros caminhos. Agentes do mercado financeiro e o governador Tarcísio preferem ela a Eduardo, segundo apurou a reportagem. E partidos do chamado “centrão”, como Republicanos e PP, demonstram mais dificuldade em bancar o filho do ex-presidente do que a ex-primeira-dama.
No bolsonarismo e no PL, Michelle não é uma unanimidade, e alguns falam até em racha interno entre os grupos dela e de Eduardo. A ex-primeira-dama tornou-se uma figura até temida pelo seu jeito firme e influência sobre o marido — quem se torna seu desafeto acaba extirpado do círculo próximo a Bolsonaro.
Um exemplo é o deputado federal Mario Frias (PL-RJ), que entrou em rota de colisão com Michelle depois de dizer que a “ladainha da inclusão deve ser eliminada da direita”. Michelle, que é defensora da agenda de direitos das pessoas com deficiência, publicou um vídeo com uma nota de repúdio contra o parlamentar. Depois, voltou a cobrar Frias, hoje afastado do entorno do ex-presidente, por criticar publicamente um projeto da senadora Damares Alves (Republicanos-DF), sua principal aliada política.
A ascensão de Michelle é motivo de ciumeira dentro do PL. Prova disso é o episódio que levou à demissão de Fabio Wajngarten da assessoria do PL após o portal UOL publicar uma conversa entre o advogado e o ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, Mauro Cid. No trecho em questão, os dois dizem que prefeririam Lula a Michelle na presidência da República. Wajngarten acabou demitido, mas aliados da ex-primeira-dama negam que ela tenha pedido sua saída — dizem que ele mesmo cavou a própria demissão e que tanto ele quanto Cid acumulavam antipatias no entorno de Bolsonaro.
Se, por um lado, a ex-primeira-dama tem seus desafetos, por outro, encontra apoio em várias lideranças femininas do partido e fora dele. Ela é próxima da vice-governadora do Distrito Federal, Celina Leão (PP), e das deputadas federais Rosana Valle, Caroline de Toni (PL-SC) e Chris Tonietto (PL-RJ). Mas sua principal aliada é a senadora Damares Alves (Republicanos-DF), com quem mantém uma relação estreita de amizade.
“Vejo como um movimento natural. A Michelle tem carisma, fala com o coração e representa valores muito fortes para uma parcela significativa da população. Ela tem luz própria, ganhou voz e tem ocupado um espaço importante na mobilização de mulheres conservadoras no Brasil”, diz a deputada Rosana Valle.
O deputado estadual Tenente Coimbra (PL-SP), do núcleo bolsonarista paulista, afirma que a intenção dos bolsonaristas é lutar pela candidatura de Jair Bolsonaro, hoje inelegível. Na ausência dele, porém, Michelle Bolsonaro teria totais condições de assumir o projeto do grupo.
“A Michelle, além da confiança (do ex-presidente Bolsonaro) e dos valores que carrega, tem competência. Ela vem demonstrando isso cada vez mais nos eventos e nas andanças pelo Brasil. Tem porte, potência, oratória e inteligência para ocupar o cargo de presidente”.
Estrategistas do campo bolsonarista avaliam que Michelle é uma candidata que pode complicar a campanha de Lula. Além do sobrenome Bolsonaro e de ser mulher — o que dificulta ataques diretos — ela tem um linguajar religioso que se conecta com o público evangélico, com o qual a esquerda tem dificuldade de se comunicar. Sua fragilidade está na falta de experiência administrativa, já que ela nunca ocupou cargo público.
“Michelle surge como a síntese do projeto político do bolsonarismo: uma liderança com apelo popular, respaldo familiar e um discurso alinhado às pautas conservadoras que ainda mobilizam o eleitorado de direita”, avalia o cientista político Elias Tavares. “O desempenho de Michelle nas pesquisas mostra que ela não apenas herda um capital simbólico do bolsonarismo, mas também projeta sua própria credibilidade política, especialmente junto ao eleitorado feminino e evangélico”.
A pauta da candidatura presidencial não é um consenso entre os aliados da ex-primeira-dama: uns afirmam que ela tem vontade de disputar, outros dizem que não. Mas todos concordam em um ponto: Michelle tem atuado para “se manter no jogo” — não exatamente pavimentando um caminho direto para o Palácio do Planalto, mas para chegar a 2026 no páreo, cotada entre os candidatos a sucessor do marido.
Bianca Gomes/Guilherme Caetano/Estadão