Home
/
Noticias
/
Mundo
/
Fome em nível catastrófico evidencia cenário mais sombrio da guerra na Faixa de Gaza
Fome em nível catastrófico evidencia cenário mais sombrio da guerra na Faixa de Gaza
Por Diogo Bercito/Folhapress
26/07/2025 às 17:45
Foto: Divulgação/Médicos sem Fronteira

Sob cerco e bombardeios de Israel, a Faixa de Gaza vive hoje uma crise sem precedentes de fome e desnutrição. A situação aflige um território onde vivem mais de 2 milhões de pessoas e de onde agora chegam diariamente fotografias de crianças esquálidas lutando para receber água e comida.
"Estamos ficando sem vocabulário para descrever os horrores que as crianças estão enfrentando", afirma Ricardo Pires, porta-voz do Unicef, a agência da ONU para a infância. "Os números são inacreditáveis, e nos contam uma história macabra sobre este período da humanidade".
A situação humanitária afeta ao menos sete crianças brasileiras que vivem em Gaza. Sua mãe, Umm Abdo, 42, enviou à reportagem fotografias de uma delas, de 6 anos, com sinais de desnutrição. A reportagem comparou as imagens com registros anteriores dessa mesma criança.
Nascida em Santa Catarina, Umm Abdo se converteu ao islã e se mudou para Gaza em 2005. Casou-se com o filho de um dos fundadores do Hamas, razão pela qual não revela o nome verdadeiro. Diz que corre risco de retaliação.
Umm Abdo significa, em árabe, "a mãe do Abdo", em referência ao seu primogênito. É uma maneira comum de se referir às pessoas nessa região. Foi com esse nome que ela se apresentou em 2014, quando a reportagem a visitou em Gaza pela primeira vez.
Os sete filhos, que nasceram em Gaza, vivem com o pai, que não permite que saiam do território palestino. Umm Abdo tenta há anos ter a guarda.
Quando falou com a reportagem, a brasileira disse que planejava buscar comida em um dos poucos pontos de distribuição que ainda funcionam. No dia seguinte, explicou que havia desistido ao se aproximar e ouvir disparos. Mais de 800 palestinos foram mortos nas últimas semanas tentando obter alimentos, a maior parte devido aos tiros de soldados israelenses.
A ONU diz que um terço das pessoas em Gaza passa mais de um dia sem comer. Dados de junho sugerem também que a população consome em média 1.400 calorias por dia, ou seja, apenas 67% do recomendado.
Segundo o Ministério da Saúde de Gaza, controlado pelo Hamas, 40 pessoas morreram de fome neste mês, elevando o total desde o início do conflito a 122 óbitos —mais de 80 seriam crianças.
As imagens de crianças com as costelas visíveis têm causado crescente comoção na comunidade internacional e devem aumentar a pressão por uma solução política. Recentemente, por exemplo, um grupo de mais de cem organizações humanitárias, como a Oxfam e os Médicos Sem Fronteiras, cobraram medidas para o fim da fome.
Várias dessas organizações acusam Israel de impedir de maneira sistemática a entrada da ajuda humanitária em Gaza. Já Israel afirma que o problema é o gargalo nas operações das agências. Tel Aviv culpa ainda o Hamas, cujo ataque terrorista matou 1.200 israelenses em 7 de outubro de 2023. Israel matou mais de 59 mil palestinos desde o início da crise, ainda na contagem das autoridades da facção.
Pires, do Unicef, descreve o esquema de distribuição de ajuda como uma "armadilha mortal". Organizações humanitárias contavam antes com cerca de 400 pontos de distribuição de suprimentos. Hoje, existem apenas 4 em funcionamento. "Pessoas desesperadas, famintas e traumatizadas são forçadas a caminhar por quilômetros para buscar um saco de farinha", diz o porta-voz.
Ele também critica o fato de que o sistema está hoje a cargo de uma entidade chamada Fundação Humanitária de Gaza. Trata-se de um controverso grupo americano com apoio de Israel cuja atividade foi marcada, nas últimas semanas, por episódios de violência e denúncias de conluio político.
Organizações humanitárias pedem um cessar-fogo entre Israel e Hamas e uma reabertura imediata dos corredores para a distribuição de suprimentos. Até porque a comida está do outro lado da fronteira, a poucos quilômetros. "Precisamos que as armas se silenciem", diz Pires.
Zoe Daniels, diretora do International Rescue Committee para os territórios palestinos, faz um apelo afim: "Comida, água limpa, combustível e outros bens essenciais que podem salvar vidas precisam chegar até as 2 milhões de pessoas que passam necessidade em Gaza."
A entrada de ajuda humanitária, no entanto, resolveria apenas a crise mais imediata. A fome deve reverberar por anos nos estômagos de Gaza, dado que esse nível de desnutrição tem efeitos conhecidos de médio e longo prazo. "Pode haver dano irreversível no desenvolvimento físico e cognitivo, em especial entre as crianças mais jovens", afirma Daniels. Isso inclui a redução do crescimento e a debilitação do sistema imunológico. Há necessidade também de acompanhamento psicológico.
A fome tem, ainda, um impacto social. "Toda uma geração vai crescer traumatizada, desnutrida e sem oportunidades em Gaza", diz. Os bombardeios israelenses devastaram toda a infraestrutura desse território palestino —destruindo escolas, universidades, hospitais e saneamento.
É por esse grau de destruição que, nos últimos anos, os palestinos têm acusado Israel de cometer um genocídio em Gaza. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva já usou o mesmo termo para se referir aos ataques israelenses. Israel, por sua vez, nega as acusações.
No meio-tempo, outros líderes internacionais têm endurecido o discurso contra Israel. Em uma medida de grande peso simbólico, o presidente da França, Emmanuel Macron, anunciou sua decisão de reconhecer o Estado Palestino. É esperado que outros europeus sigam o exemplo. No comunicado, Macron citou a necessidade urgente de auxílio humanitário.
