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Getúlio Vargas é o ex-presidente com mais nomes de logradouros no Brasil, aponta levantamento
Getúlio Vargas é o ex-presidente com mais nomes de logradouros no Brasil, aponta levantamento
Por Marina Pinhoni/Naief Haddad/Nicholas Pretto/Folhapress
24/08/2025 às 08:00
Atualizado em 24/08/2025 às 09:16
Foto: Divulgação

Getúlio Vargas dá nome à principal praça de Alegrete, no interior do Rio Grande do Sul. No meio desse espaço público, há um busto do homem que governou o país em dois períodos, de 1930 a 1945 e depois de 1951 a 1954.
Lá no alto, na outra ponta do mapa, em Boa Vista, capital de Roraima, uma das principais avenidas também leva o nome de Getúlio, morto há 71 anos, em 24 de agosto de 1954.
Levantamento realizado pela Folha a partir de dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) mostra que o líder gaúcho é o mais homenageado em logradouros considerando aqueles que governaram o Brasil no período republicano. São 2.593 menções em ruas, avenidas, alamedas, praças, travessas e outros espaços de uso público nas cinco regiões do país.
Dos 5.565 municípios do Brasil, 35% têm pelo menos um logradouro com o nome de Getúlio.
"Logradouros são lugares de memória, que perpetuam o imaginário do país. Têm um sentido importante do ponto de vista da história da política brasileira", diz Angela de Castro Gomes, professora titular aposentada de história do Brasil na Universidade Federal Fluminense (UFF).
Em geral, os nomes de ruas e outros espaços públicos dentro dos limites de um município são decididos pela Câmara de Vereadores. Em 2019, porém, o STF (Supremo Tribunal Federal) reconheceu também a competência do prefeito para a denominação de logradouros. No caso de rodovias federais e estaduais, a incumbência recai principalmente sobre os deputados das duas esferas, mas a iniciativa também pode partir do Executivo.
A população pode se organizar para sugerir nomes ou mudanças de nomes, mas a decisão final sempre passa pelos representantes políticos.
A presença ostensiva de Getúlio nas placas país afora pode ser associada à sua força como liderança partidária, com influência inigualável na época sobre deputados e vereadores.
De 1945 a 1965, quando o presidente Castello Branco extinguiu o pluripartidarismo, as três legendas mais competitivas no país eram PSD (Partido Social Democrático), PTB (Partido Trabalhista Brasileiro) e UDN (União Democrática Nacional). Getúlio foi o principal responsável pela fundação do PTB e figura-chave nas articulações que levaram ao surgimento do PSD.
Foi a aliança dessas duas siglas que sustentou seu último período no poder e também o governo seguinte, de Juscelino Kubitschek (1956-1961), não por acaso o segundo nome mais lembrado nos espaços públicos do país.
"Acredito que uma grande parte desses logradouros tenha recebido o nome de Getúlio durante as décadas de 1940 e 1950. É principalmente a partir dos anos 1940 que ele se projeta como o grande nome da política nacional e, praticamente, não tem concorrentes", afirma Castro Gomes, autora de livros como "Getulismo e Trabalhismo", em parceria com Maria Celina d´Araújo.
Um exemplo é a Presidente Vargas, uma das principais avenidas do Rio de Janeiro, então capital do país. Foi inaugurada em 1944.
Para Lira Neto, o principal biógrafo do político nascido em São Borja (RS), dois fatores são preponderantes para tamanha presença de Getúlio nas placas dos espaços públicos. "Ninguém provocou tantas transformações na vida do Brasil como ele. O país de antes de Getúlio e o que vem depois são dois Brasis completamente diferentes, para o bem e para o mal."
Além disso, segundo ele, Getúlio "continua vivo nessa memória coletiva porque até hoje as principais pautas das discussões política, econômica e social passam por ele. Veja a matriz energética. Falar sobre petróleo remete à era Vargas. Se o tema é flexibilização da legislação trabalhista, também voltamos àquele período".
Castro Gomes ressalta o pacote de conquistas sociais, com a Consolidação das Leis de Trabalho (CLT) à frente, como uma das razões para a liderança de Getúlio nesse quesito. Mas não só.
Para a historiadora, o fato de ele ter se matado contribuiu bastante para o que ela trata como "construção memorial". Chamada inicialmente de 15 de Novembro, a praça de Alegrete –lembrada no primeiro parágrafo– ganhou o nome do líder gaúcho justamente no ano do suicídio, 1954.
A socióloga Maria Victoria Benevides também enfatiza a "marca do mártir" e se lembra do impacto. "Eu estudava em um colégio de freiras, radicalmente antigetulista, no Rio de Janeiro. Mesmo essa escola, assim como todas as outras, cancelaram as aulas no dia da morte dele. Foi uma comoção."
A existência de quase 2.600 logradouros mantém vivo o legado de Getúlio, inclusive o autoritarismo do Estado Novo. Nesse período, que vai de 1937 a 1945, ele exerceu seus poderes como um ditador.
Em maio deste ano, a Justiça determinou que a prefeitura de São Paulo apresentasse um cronograma para mudar os nomes de ruas que homenageiam figuras ligadas à repressão durante a ditadura militar. A decisão tomou como base a ação pública movida pelo Instituto Vladimir Herzog em conjunto com a Defensoria Pública da União.
A medida leva à dúvida: por que não existem iniciativas para tirar o nome de Getúlio de praças e avenidas considerando que ele esteve à frente do aparato repressivo do Estado Novo?
De acordo com Castro Gomes, "a construção memorial obscureceu esse ponto", referindo-se às mortes e perseguições dos opositores naquela fase. No imaginário da população, na visão dela, a preocupação em proteger os direitos conquistados na era Vargas acabou falando mais alto.
Além disso, segundo a historiadora, Getúlio se beneficiou de uma "sofisticada máquina de propaganda" e, não menos importante, soube renovar sua imagem ao ser eleito presidente em 1950, cinco anos depois do fim da fase autoritária.
Uma curiosidade vem à tona quando os dados são divididos por unidades da federação. Embora seja o estado mais populoso do país pelo menos desde a década de 1940, São Paulo não ocupa a liderança nem em número total de logradouros nem em número de municípios com ao menos um logradouro com o nome de Getúlio.
No total de logradouros, está em quarto lugar, atrás de Minas Gerais, Bahia e Rio Grande do Sul. Já em número de municípios com ao menos um logradouro, fica entre os últimos, na 21ª posição.
Para os especialistas, esse descompasso pode ser compreendido pela Revolução de 1932, um dos maiores confrontos armados do século 20 no Brasil. O conflito opôs duas grandes forças: os paulistas de um lado e as forças federais comandadas por Getúlio de outro.
"O fato é que 1932 deixou muitas sequelas nessa relação do estado de São Paulo com a memória de Getúlio", diz Lira.
