30 outubro 2024
A candidata do partido Democrata à presidência dos Estados Unidos (EUA), Kamala Harris, não visitou o Brasil nos últimos quatros anos em que exerceu o cargo de vice-presidente, mesmo período em que esteve à frente da política de imigração norte-americana.
Mas o pai de Kamala, o economista Donald J. Harris, esteve em território brasileiro diversas vezes. Foi durante a década de 1990. Professor de economia, ele deu palestras sobre suas teorias macroeconômicas que, na época, eram consideradas de esquerda pelos colegas brasileiros.
Em maio de 1999, o economista jamaicano esteve no País para participar da segunda edição do Colóquio Internacional sobre Economia Dinâmica e Política Econômica, organizado pela Universidade de Brasília (UnB) em parceria com a Universidade Católica de Brasília.
Harris era professor da Universidade de Stanford quando esteve em território brasileiro e já era um economista famoso mundialmente graças ao seu livro Acumulação de Capital e Distribuição de Renda (tradução livre), de 1978, que conta com uma dedicatória às filhas Kamala e Maya.
Durante o colóquio de 1999, o economista fez uma exposição sobre estabilidade macroeconômica e crescimento e citou como exemplo as políticas adotadas pelo seu país de origem, a Jamaica.
“Um problema básico de política econômica que as economias em desenvolvimento enfrentam hoje está centrado na tarefa de alcançar e manter resultados macroeconômicos significativos, estabilidade, ao mesmo tempo em que procura criar e sustentar um elevado nível de economia global de crescimento, no contexto de um ambiente internacional de crescente interdependência entre os países”, argumentou em artigo que guiou a palestra.
Caso seja eleita em novembro deste ano, Kamala será a primeira mulher negra e filha de pais imigrantes a governar a maior economia do planeta. Além do pai jamaicano, ela é filha de uma indiana, a cientista Shyamala Harris.
As palestras do pai da hoje vice-presidente dos Estados Unidos empolgaram os estudantes de economia. Ele foi convidado diversas vezes para almoços, jantares e até programas boêmios nos bares e restaurantes da Asa Norte, em Brasília. “Ele era amigo dos estudantes. Os alunos gostavam muito dele”, afirmou a professora Maria de Lourdes Rollemberg Mollo, que deu aulas na Faculdade de Administração, Economia, Contabilidade e Gestão de Políticas Públicas (FACE) da UnB.
Mollo esteve em um desses almoços organizados por estudantes com Harris em restaurantes populares da região universitária de Brasília. “Os alunos me chamaram para almoçar com ele numa ocasião, apesar de eu estar fora do departamento. Tivemos uma conversa mais informal. Ele era uma pessoa muito agradável e competente. Os seminários dele foram excelentes. Ele é um economista de esquerda e muito simpático”, disse a professora.
O pai da hoje vice-presidente dos EUA era considerado “marxista” por seus pares, como descreveu Mollo à reportagem. Além do livro sobre acumulação de recursos, Harris desenvolveu uma teoria intitulada de a “controvérsia do capital”, que fazia críticas a teorias hegemônicas na economia.
No período em que esteve no Brasil para participar do colóquio, Harris ficou hospedado na casa do professor emérito da UnB Joanílio Teixeira, que era chefe do Departamento de Economia.
Em entrevista ao jornal da Unb em 2021, o economista afirmou que o maior legado do pai de Kamala foi propor uma crítica ao “mainstream” das ciências econômicas a partir de uma visão heterodoxa.
Em suas passagens pelo Brasil, Harris publicou um artigo na revista do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) sobre a “post mortem Neoclássica”. Os neoclássicos estudam, por exemplo, a distribuição da renda através do mecanismo de oferta e demanda dos mercados. Na década de 1960, ele também fez uma resenha sobre a tradução para o inglês do livro “Diagnosis of the Brazilian crisis”, do brasileiro Celso Furtado.
Weslley Galzo/Estadão