23 dezembro 2024
Adriano de Lemos Alves Peixoto é PHD, administrador e psicólogo, mestre em Administração pela UFBA e Doutor em Psicologia pelo Instituto de Psicologia do Trabalho da Universidade de Sheffiel (Inglaterra). Atualmente é pesquisador de pós-doutorado associado ao Instituto de Psicologia da UFBA e escreve para o Política Livre às quintas-feiras.
Semana passada participei de um grande congresso de Psicologia que aconteceu em Salvador. A essa altura do campeonato eu já deveria ter aprendido, mas acabei ficando para o blá blá bla da abertura. A apresentação musical que abriu os trabalhos da noite foi bastante agradável e os membros da mesa até que foram bastante concisos em suas falas protocolares. Tudo parecia se encaminhar na contramão de minhas expectativas quando uma representante de nossa categoria iniciou sua apresentação. O que deveria ser uma saudação se mostrou uma longa enumeração dos problemas e das desigualdades sociais e econômicas que nosso país e nossa população enfrentam cotidianamente. Ao final da fala eu virei para um colega ao lado e perguntei: e onde é que entra a Psicologia nisso tudo?
Não me entenda mal. Não estou dizendo que a proteção dos direitos das crianças, das grávidas, dos idosos, dos índios, dos quilombolas, dos desabrigados por barragens, dos homossexuais, dos transexuais, bissexuais, dos sem terra, dos sem teto, dos refugiados das guerras, dos refugiados políticos e por ai vai, não seja importante. Também não digo que não devemos agir com o máximo de nossas forças e possibilidades para a superação dos problemas relacionados à violência em geral, a baixa qualidade da educação, a falta de acesso aos bens e produtos culturais, o aquecimento global, o desmatamento da Amazônia, o trafico ilegal de animais silvestres, os testes abusivos em animais de laboratório, o trabalho infantil, o trabalho escravo, a precarização do trabalho, o caos urbano, o uso dos combustíveis fósseis,____________(aproveite e complete o espaço em branco com o seu movimento social preferido!). Todas estas são agendas fundamentais na construção de um mundo melhor e todos estes temas se relacionam com a questão da cidadania. Mas volto a perguntar: e o que é que a Psicologia tem com isso?
Acho que a resposta é simples: nada a ver e tudo a ver. Vou tentar me explicar.
A fala da psicóloga é ilustrativa de um movimento que ganhou corpo na nossa área nos últimos anos e que tende a perceber a Psicologia como uma profissão de direitos humanos. A adoção desse tipo alinhamento trouxe as questões sociais para o centro de uma agenda política da profissão com forte reflexo na formação dos jovens profissionais. O problema desse movimento é que a base técnica da ação parece ter sido substituída pela militância pura e simples. Não se sustenta uma profissão apenas com boas palavras, com um discurso sedutor.
A noção de uma profissão pressupõe a existência de um conhecimento positivo, específico e exclusivo de uma categoria sobre um determinado tipo de objeto. A transmissão deste conhecimento se dá no curso de um longo período de formação. Já o contrato social que reconhece a profissão delega ao profissional iniciado uma autoridade formal e legal para aplicação deste conhecimento na intervenção e solução de problemas em sua área de conhecimento.
A Psicologia tem tudo a ver com as questões sociais quando o profissional reflete, fala e atua a partir desse corpo de conhecimento que lhe é próprio. Quando ele usa dos conhecimentos, habilidades e técnicas psicológicas que possui para analisar, compreender e intervir na realidade.
Quando o psicólogo “se destitui“ do seu conhecimento técnico específico ele deixa de falar como profissional e passa a falar como cidadão (mais ou menos engajado). Além disso, se ele se destitui de um conhecimento positivo sobre sua profissão e, mesmo assim, insiste em atuar como um profissional, ele fere de morte o contrato social que legitima sua atuação e sua prática social. O respeito e a defesa dos direitos humanos são parte fundamental da atuação do profissional de Psicologia, mas nem de longe é isso o que caracteriza a nossa atuação profissional.