27 novembro 2024
Economista do Ministério da Economia. Mestre em Economia e Doutor em Administração Pública pela UFBA. Autor de diversos trabalhos acadêmicos e científicos, dentre eles o livro Política, Economia e Questões Raciais publicado - A Conjuntura e os Pontos Fora da Curva, 2014 a 2016 (2017) e Dialogando com Celso Furtado - Ensaios Sobre a Questão da Mão de Obra, O Subdesenvolvimento e as Desigualdades Raciais na Formação Econômica do Brasil (2019). Foi Secretário Estadual de Promoção da Igualdade Racial (Sepromi) e Diretor-presidente da Companhia de Processamento de Dados do Estado da Bahia (Prodeb), Subsecretário Municipal da Secretaria da Reparação de Salvador (Semur), Pesquisador Visitante do Departamento de Planejamento Urbano da Luskin Escola de Negócios Públicos da Universidade da Califó ;rnia em Los Angeles (UCLA), Professor Visitante do Mestrado em Políticas Públicas, Gestão do Conhecimento e Desenvolvimento Regional da Universidade do Estado da Bahia (Uneb). Professor, Coordenador do Curso de Ciências Econômicas e de Pesquisa e Pós-Graduação do Instituto de Educação Superior Unyahna de Salvador.
A socióloga baiana e militante do movimento de Mulheres Negras Vilma Reis costuma iniciar suas falas públicas, dizendo o seu nome e sobrenome. Argumenta, de forma inequívoca, que a história do Povo Negro no Brasil ensina que se assim não for feito o racismo e o sexismo tende a colocar o nome que quiser nas pessoas negras.
Na semana que passou foram discutidas em rede nacional, as ofensas racistas sofridas pela Jornalista Maria Júlia Coutinho, a moça do tempo do Jornal Nacional, através do site institucional do programa de maior audiência da TV brasileira. Infelizmente, de nada adiantou a jornalista ser apresentada institucional e diariamente pelo seu nome e sobrenome, ou muito menos pelo carinhoso apelido de Maju, que já se transformou em sinônimo de gentileza na forma que seus colegas de bancada e boa parte da população brasileira passou a se referir a ela.
A maneira que Maria Julia Coutinho chegou aquele lugar de destaque profissional foi irreparável, em forma e o conteúdo. A diferença, talvez, tenha sido porque ela se revelou competente, bela e carismática jornalista que simplesmente ofuscou a sua colega que fora substituída. Isso nada tem de incomum para um programa que há pouco tempo substituiu uma das jornalistas da bancada por outra que também vem se destacando em comparação com o trabalho daquela que sucedeu. No entanto, nesse último caso, nenhuma delas foi atacada em sua honra e, principalmente, em sua humanidade.
Mas porque com Maria Julia Coutinho foi diferente? Racismo. O que não é simples, nem aceitável, mas foi assim.
A resposta dada pela emissora, colegas de trabalho e pela própria jornalista foram a contento para alguns. Sabemos que os ambientes sociais e profissionais rapidamente se tornam perigosos e se deterioram com muita rapidez, quando a questão racial vem à tona fora dos padrões que alguns brasileiros, brancos em sua maioria, tem por costume perceber e esse debate é evitado ao máximo. Entendemos isso, mas discordamos porque precisamos avançar um pouco mais, para bem do futuro desse país.
Os ataques sofridos por Maria Julia Coutinho não foram simplesmente discriminatórios e preconceituosos. Eles foram motivados pelo racismo impregnado em corações e mentes de parte significativa de nossa sociedade que a cada dia mais se recente de tempos de outrora onde pessoas podiam ser tratadas como coisas e que a disputa nas várias áreas profissionais – e aquele espaço no JN é um exemplo emblemático – só poderia ter competidores de um mesmo grupo étnico e social com o objetivo último de manutenção de um status quo que há muito tempo já deveria ter sido defenestrado de nossa nação.
Essa é a forma mais apropriada para tratarmos a questão porque ela não se resume a um ataque isolado e muito menos uma ação de indivíduos apenas. Por trás de atitudes virtuais, atos falhos e “modos de dizer”, existem manifestações mais concretas de pessoas que comungam do mesmo pensamento, no dia a dia de nossa sociedade através das mais diversas manifestações.
Há menos de duas semanas atrás, por exemplo, o técnico da seleção brasileira afirmou com todas as letras: “Eu até acho que eu sou afrodescendente de tanto que apanhei e gosto de apanhar”. Ao redor da mesma época, uma criança negra praticante da religião do Candomblé no Rio de Janeiro, sofreu um atentado contra sua vida através de uma pedrada que recebeu de alguns criminosos travestidos de religiosos evangélicos por estar, pura e simplesmente, com vestes litúrgicas de sua religião. Aqui em Salvador, no inicio da gestão ACM Neto, o seu principal auxiliar naquele momento, o secretário da fazenda Mauro Ricardo afirmou em tom categórico que “antigamente se botavam as pessoas no pelourinho para poder pagar as suas dívidas. Infelizmente hoje não é mais assim”. Saliente-se que ele estava tratando da inadimplência de impostos municipais na cidade mais negra do continente americano!
Essas infelizes atitudes e construções de raciocínio refletem não apenas o conteúdo consciente dos seus propositores, mas também e de forma muito particular, aspectos do inconsciente coletivo da nossa sociedade sobre as pessoas negras. Observem que a mensagem, nos três exemplos, aponta para a violência que os negros devem ser submetidos, sob a ótica daqueles formuladores, sempre que eles saiam do papel simbólico deformado pelas suas mentes racistas que pensam dessa maneira. Infelizmente, para os negros brasileiros, ainda não é suficiente fazerem a sua parte, superar as barreiras que o racismo e a intolerância os colocam; desviarem-se dos paus, pedras e balas, cada vez mais certeiras, da criminalidade ou até mesmo de braços do Estado contaminados pelo racismo institucional.
Existe sim uma camada expressiva de seres humanos no Brasil que de fato são #SomosTodosMajus, mas em sua maioria, não são os que estão mais próximo da moça do tempo, nas dependências protegidas da vênus platinada. São as inúmeras pessoas que morrem ou são violentados todos os dias, apenas porque são iguais a Maria Julia Coutinho. O Jovem jornalista Marivaldo Filho, daqui de Salvador, é um exemplo recentíssimo disso!