23 novembro 2024
Economista do Ministério da Economia. Mestre em Economia e Doutor em Administração Pública pela UFBA. Autor de diversos trabalhos acadêmicos e científicos, dentre eles o livro Política, Economia e Questões Raciais publicado - A Conjuntura e os Pontos Fora da Curva, 2014 a 2016 (2017) e Dialogando com Celso Furtado - Ensaios Sobre a Questão da Mão de Obra, O Subdesenvolvimento e as Desigualdades Raciais na Formação Econômica do Brasil (2019). Foi Secretário Estadual de Promoção da Igualdade Racial (Sepromi) e Diretor-presidente da Companhia de Processamento de Dados do Estado da Bahia (Prodeb), Subsecretário Municipal da Secretaria da Reparação de Salvador (Semur), Pesquisador Visitante do Departamento de Planejamento Urbano da Luskin Escola de Negócios Públicos da Universidade da Califó ;rnia em Los Angeles (UCLA), Professor Visitante do Mestrado em Políticas Públicas, Gestão do Conhecimento e Desenvolvimento Regional da Universidade do Estado da Bahia (Uneb). Professor, Coordenador do Curso de Ciências Econômicas e de Pesquisa e Pós-Graduação do Instituto de Educação Superior Unyahna de Salvador.
A única certeza que temos nessas eleições é que nada mais será como antes a partir de outubro de 2018. Parafraseando um filme juvenil da década de 1980, esse deverá o primeiro outubro do resto de nossas vidas, e o cenário que se desenha não poderia ser dos piores. Na verdade, o atual ambiente por que vem passando a nossa sociedade mais se assemelha à atmosfera do filme clássico de Ingmar Begman, o ovo da serpente, ou, mais recentemente, do simbólico filme de terror pop, It (a coisa em português). De fato, constatar a ascensão do discurso nazifascista do candidato Jair Bolsonaro, no Brasil, em pleno século XXI, mostrando-se eleitoralmente competitivo, é algo assustador para qualquer cidadão que tenha contribuído para nossa jovem democracia, independente de sua matriz ideológica.
As informações que vem se consolidando através das pesquisas de intenção de voto nos chama à responsabilidade enquanto brasileiros que prezam pela saúde política institucional, econômica e social do país. Não há como desconsiderar o fato de que, majoritariamente, os eleitores de Bolsonaro são homens brancos de renda média-alta-altíssima, com diplomas de ensino superior, concentrados na região Sul e Sudeste, especialmente no Rio Grande do Sul e São Paulo, locus remanescente da politica racista de branqueamento a que foi submetida a população brasileira a partir da imigração italiana e alemã após a abolição da escravidão; e do Rio de Janeiro, o caso mais emblemático da falência institucional dos poderes republicanos constituídos e, não por coincidência, o ninho do “peçonhento animal verde-oliva”.
Percebe-se, assim, que não há nem coincidência e muito menos a ilusão de que “a coisa” seja um ponto fora da curva. Ao contrário, a sustentação de sua candidatura está sendo dada pelas mesmas bases ideológicas que mantiveram o regime de escravidão que vigorou em todo nosso território por mais de 350 anos; o apoio tácito ao nazifascismo do governo Vargas nos anos 1930 e o golpe militar/ditadura de 1964 até os anos de 1980. Destarte, além de condições ideológicas preexistentes, o “ovo da serpente” para ser chocado precisa de um ambiente propiciado por desarranjos econômicos, sociais e institucionais que, no nosso caso, vem se configurando com o desdobramento das altíssimas taxas de desemprego, da recessão, do baixíssimo nível de bem estar social, de exposição pública a um nítido processo de violência institucional explicita, misturada com os eventos mais comuns da criminalidade, como vetores e catalisadores do discurso de ódio disseminado pelo militar e seu pequeno exército.
Nesse contexto, Jair Bolsonaro e todos e tudo que ele representa está para o Brasil de hoje o que Hitler e Mussolini estiveram para Alemanha e Itália no início do século passado, portanto, o que se deve atentar nessa disputa eleitoral é que o processo de desconstrução dessa “nova” e deletéria faceta da politica e da sociedade brasileira não pode se esgotar em outubro próximo, mesmo que ajuizadamente, o eleitorado não conduza “a coisa” ao palácio do Planalto a partir de 2019. Na prática, além da necessidade de derrotá-lo nas urnas é preciso criar condições políticas objetivas para que o seu discurso e a sua ideologia não prospere em nosso país e essa deve ser verdadeira luta subjacente a toda discussão em torno da desconfortável situação que ora nos encontramos. Para isso, em ato contínuo ao pleito, será necessário refletir e operar, com muita profundidade, sobre as causas político-institucionais que concorreram para o seu perigoso surgimento e para sua sustentabilidade como opção real de poder político no Brasil, independente dos resultados das urnas.
É preciso compreender, por exemplo, que por trás do discurso do anti-petismo, do voto de protesto ou mesmo no credo irracional que posições extremistas possam gerar algo diferente do que violência extrema, exite sim, um nicho da população brasileira que tem nos dispositivos defendidos por Bolsonaro a sua visão de mundo e isso não pode ser tomado como algo da conjuntura política eleitoral, apenas. A rigor, essa é a explicação do porque apesar dele não ter apresentado nenhum projeto relevante ou de interesse público em seus 30 anos de mandato parlamentar como deputado federal, tem conseguido consolidar uma projeção politica nacional a partir de suas manifestações e ações perniciosas partindo do plenário da câmara e dos mandatos de três de seus filhos também políticos e da sua consolidada trincheira regional, no eixo Rio-São Paulo.
A questão que não nos parece ser politicamente desprezível é o fato de que um dos seus filhos tenha sido eleito vereador com apenas 17 anos de idade e que está, desde o ano 2000, na câmara municipal da capital fluminense; um segundo, ter sido eleito deputado federal por SP em 2015 , já surfando na onda explicita dos próprios discursos nazifascistas paralelamente aos do seu pai e, um terceiro, deputado de quatro mandatos na Alerj, estar à frente da disputa de uma das duas cadeiras do senado no Estado, à frente de lideranças políticas conhecidas e reconhecidas individualmente e enquanto figuras de partidos historicamente mais representativos do que o inexpressivo PSL, quais sejam, o pai do atual presidente da câmara de deputados e ex-prefeito do Rio, César Maia (DEM); o atual senador Lindenberg Farias (PT); os deputados Chico Alencar (ex-PT, agora Psol) e Miro Teixeira (Ex-PDT, agora Rede).
Essa rápida digressão é para demonstrar que estamos diante um processo e não de um evento isolado quando se observa a perspectiva de performance eleitoral e o alinhamento politico ideológico de todo o clã de extrema direita capitaneada pela “serpente” verde-oliva e seu exército branco e elitista evoluindo a partir dos dois maiores colégios eleitorais do Brasil. Para melhor dimensionar esse feito, é importante chamarmos atenção de que os seus 30 milhões de votos previstos pelas pesquisas de primeiro turno representa quase a totalidade do número de pessoas de toda a população do Canadá e de duas vezes mais a inteira população do Chile! Se considerarmos as projeções do segundo turno, o número de seus eleitores chegaria muito próximos aos do total da população da Argentina, segundo maior país da América do Sul.
Portanto, guardadas as devidas proporções e as óbvias diferenças ideológicas abissais, a candidatura de Bolsonaro, assim como a de Haddad/Lula, também está sendo sustentada por “uma ideia” maior do que a sua presença corpórea na disputa eleitoral, haja vista o tempo de campanha por ele perdido no hospital após o insucesso da facada de Adélio e, até mesmo, do insignificante peso de seu tempo de TV. Por tudo isso é que devemos salientar que a sua possível derrota eleitoral não encerra, necessariamente, a questão de fundo que todos deveremos estar muito atentos: o simples pensamento de ter Jair Bolsonaro e tudo o que ele representa à frente da nossa presidência da república é um perigo real e imediato à nossa democracia e para a consolidação dos valores humanísticos de nosso país que, apesar de inconclusos, não podem retroceder em um milímetro sob pena de cair por terra os parcos avanços civilizatórios que alcançamos nas últimas décadas.
Daqui de onde observamos, não nos parece ser suficiente a opção feita pelos candidatos do campo progressista no sentido de competir para se viabilizar ao segundo turno ou apenas conseguir uma simples vitória eleitoral contra “a coisa”, caso realmente ela mantenha a sua competitividade como apontam as pesquisas, como se estivéssemos diante de um momento eleitoral como outro qualquer. Nada mais equivocado! Todos os esforços possíveis e imagináveis tem que ser feitos no sentido de garantir que a derrota de Bolsonaro seja feita de maneira suficientemente relevante para que, logo em seguida, inicie-se um debate eficaz contra as suas ideias e seus comportamentos para evitar um possível retorno seu à cena politica nacional pelo tempo que se fizer necessário.
Não nos custa lembrar que a experiência de 2014 nos mostrou que ganhar eleições de forma acirrada, com aspectos plebiscitários e fazer alianças discutíveis, irresponsáveis e à direita do espectro político, quando da assunção aos governos pela esquerda, resulta na pavimentação de vias muito concretas na direção de soluções não republicanas e antidemocráticas como foi a assumida orquestração do PSDB e seus aliados comandada pelo candidato derrotado naquelas eleições gerais, restando por desaguar na crise que nos acompanha há quatro anos, no impeachment de Dilma Roussef e na chegada ao poder o mais impopular e odiado presidente da república desde 1889.