23 novembro 2024
Economista do Ministério da Economia. Mestre em Economia e Doutor em Administração Pública pela UFBA. Autor de diversos trabalhos acadêmicos e científicos, dentre eles o livro Política, Economia e Questões Raciais publicado - A Conjuntura e os Pontos Fora da Curva, 2014 a 2016 (2017) e Dialogando com Celso Furtado - Ensaios Sobre a Questão da Mão de Obra, O Subdesenvolvimento e as Desigualdades Raciais na Formação Econômica do Brasil (2019). Foi Secretário Estadual de Promoção da Igualdade Racial (Sepromi) e Diretor-presidente da Companhia de Processamento de Dados do Estado da Bahia (Prodeb), Subsecretário Municipal da Secretaria da Reparação de Salvador (Semur), Pesquisador Visitante do Departamento de Planejamento Urbano da Luskin Escola de Negócios Públicos da Universidade da Califó ;rnia em Los Angeles (UCLA), Professor Visitante do Mestrado em Políticas Públicas, Gestão do Conhecimento e Desenvolvimento Regional da Universidade do Estado da Bahia (Uneb). Professor, Coordenador do Curso de Ciências Econômicas e de Pesquisa e Pós-Graduação do Instituto de Educação Superior Unyahna de Salvador.
A reportagem de capa do Jornal Folha de São Paulo desde domingo, 23/06, põe por terra a principal linha de defesa do ministro Sérgio Moro e daqueles que ainda estão a defendê-lo, em relação às denúncias que vêm sendo feitas pelo site Intercept Br, desde o início deste mês, onde ele, em pleno exercício da magistratura, havia formado um conluio com a Força Tarefa da operação Lava Jato em Curitiba, para fazer valer suas posições políticas sobre processos sob seu próprio julgamento.
Fato é que não é mais o PT, o Lula, a esquerda, a revista Carta Capital, o cantor Chico Buarque ou o ator José de Abreu, para ficar apenas em alguns exemplos, que estão rasgando a fantasia de paladino da verdade e da moral e transformando a pretensa “liga da justiça” da república de Curitiba numa verdadeira “legião do mal”, como é ludicamente retratado nos velhos desenhos da DC comics.
Agora, quem está chamando os pecadores pelos seus respectivos nomes é o jornal de maior circulação nacional que, a despeito de sua tendência tucana, como quase tudo que emana dos espaços da elite de São Paulo, ainda preserva uma certa credibilidade na sociedade brasileira. Assim, se a situação do ex-juiz, ex-superministro e, neste momento, apenas um simples e muito pesado auxiliar do gabinete do presidente, totalmente dependente de algumas gotas de tinta da caneta “bic” do chefe, era grave, agora passou a ser gravíssima, quiçá terminal.
Com efeito, a entrada da Folha nesse jogo significa, em português claro, que a partir de agora o que menos importa é a origem da “delação premiada virtual sigilosa”, da sua legitimidade formal ou jurídica das provas ou se o Intercept Br é ou não um veículo de propaganda da esquerda brasileira e mundial atentando contra a estabilidade política (sic) do pais.
A rigor, quem está homologando as denúncias contra Sérgio Moro, Deltan Dallagnol e sua turma, é um dos representantes mais importantes do aparelho privado da hegemonia branca e rentista do Brasil. Na prática, o que o grande jornal paulista está advogando e reverberando em alto e bom som é que ele simplesmente acredita na culpa do ex-juiz e seus parças do Telegram. Ponto. Além disso, diferentemente do Estadão, da Band e da Globo, veículos cuja intencionalidade editorial, via de regra, são questionadas pela centro esquerda, a Folha, apesar de também ser um típico representante dos interesses do establishment nacional, possui, por outro lado, um certo respeito por parte dos atores sociais progressistas, mais intelectualizados e menos doutrinados pelos recentes discursos maniqueístas radicalizados.
Basta lembrar que figuras como a de André Singer era, até pouco tempo, um dos colunistas políticos que escrevia semanalmente para o periódico e, atualmente, pessoas como o ex-deputado federal do PSOL, Jean Willys, possui um espaço semelhante na plataforma de comunicação do grupo de comunicação. Isto é, o jogo neste momento não está mais nas mãos de um site estrangeiro, dirigido por alguém praticamente desconhecido da grande massa da população brasileira e que fala um português, muitas vezes, incompreensível para a maioria das pessoas.
Quem está falando e colocando o seu maior ativo econômico e corporativo em jogo – a credibilidade jornalística – não é só o veículo de comunicação, mas também, a dona do Datafolha, instituto de pesquisa mais respeitado do país e principal referência de aferição da popularidade de governos, de governantes e, em períodos eleitorais, de intenções de votos dos eleitores brasileiros. Significa dizer que, provavelmente, esta decisão editorial da Folha, a qual, pode trazer consequências indesejáveis para todo grupo empresarial da família Frias, não foi pautada apenas pelo boa vontade e credo no estado democrático de direito, mas sim, e muito possivelmente, a partir de medições, em tempo real ou expectacional, da temperatura social e política que estes eventos estão trazendo para os humores de uma parte significativa – e já frustrada – da população brasileira.
Nesse contexto, esse mais novo round assinalado pelo script dessa trama deverá trazer consequências muito relevantes para a atual, e crítica, conjuntura socioeconômica e institucional no país. Em primeiro lugar, todo esse movimento pode não só atirar ao mar a já desacreditada equipe que se apossou da Operação Lava Jato de forma, anteriormente, apenas suspeita e, pelo que está sendo agora revelado, realmente comprometedoras dos princípios éticos sob os quais estão necessariamente subordinados todo e qualquer servidor público, em especial, aqueles da carreira de estado e operadores do sistema de justiça, como nos parece ser o caso.
Em consequência disto, a aparente lambança institucional patrocinada pela República de Curitiba deverá tornar cada vez mais realista a soma de todos os pesadelos dos grupos políticos que ascenderam ao poder a partir das eleições de 2018, qual seja, a possibilidade concreta de que a liberdade do ex-presidente Lula não se dê, tão somente, pela força política e do Jus esperneandi do PT, através do Movimento Lula Livre, mas sim, emblematicamente, pela comprovação incontroversa de que a sua condenação, mais até do que o impeachment da Presidenta Dilma, pode ter sido escancaradamente fruto de um cínico golpe, historicamente e genuinamente branco, se considerarmos a origem política-institucional, cultural e étnica dos principais atores envolvidos nesse imbróglio.
Sendo assim, os desdobramentos de todo esse processo são mais do que imprevisíveis, são fundamentalmente incertos. De fato, os efeitos jurídicos, políticos, sociais e institucionais são incomensuráveis. Mas, considerando a racionalidade objetiva dos fatos e, exceto se todas as divulgações patrocinadas pela Intercept Br e Folha, venham a se conformar numa intergaláctica Fake News – o que não nos parece ser o caso, frise-se – algumas certezas já podem ser colocadas sobre a mesa, quais sejam, (i) a sobrevivência política do ministro Sérgio Moro está totalmente condicionada ao tamanho do estrago que a suposta lambança feita pela República de Curitiba, nos verões passados, exerçam sobre a popularidade e a já combalida governabilidade do presidente Jair Bolsonaro; (ii) Independente do mérito, só pelo que já foi divulgado e, considerando um mínimo nível de honestidade intelectual por parte das pessoas que estão tendo acesso às informações, resta por comprovado que Lula, o PT e seus advogados de defesa sempre estiveram corretos ao alegar a suspeição do então Juiz para julgar o caso do ex-presidente e, (iii) como corolário, o Movimento Lula Livre deve imediatamente deixar de ser uma agenda do PT e das esquerdas, para ser uma luta cívica de todos os atores sociais e instituições políticas, verdadeiramente democráticas, em prol da defesa incondicional do estado democrático de direito e da nossa jovem democracia.