24 novembro 2024
Na linha de frente dos veículos bolsonaristas que emulam sites noticiosos tradicionais e amplificam as narrativas do presidente Jair Bolsonaro nas redes sociais está o Terra Brasil Notícias.
Fundado há pouco mais de um ano por um casal de Mossoró (RN), que vive em um apartamento financiado pelo então Minha Casa Minha Vida (hoje sob o nome de Casa Verde e Amarela) e recebeu auxílio emergencial, o Terra Brasil é o site mais compartilhado em grupos bolsonaristas no Telegram e no WhatsApp, segundo levantamento do Net Lab da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Usando uma versão do slogan de campanha de Bolsonaro em 2018, “Deus Acima de Tudo e de Todos”, o Terra Brasil copia notícias de sites tradicionais e reempacota as informações com um viés conservador e bolsonarista.
Chegou a 12,9 milhões de visitas em julho, aumento de 92,5% em comparação a janeiro deste ano, segundo dados do SimilarWeb.
Entre os veículos bolsonaristas, só perde para o Jornal da Cidade online, com 16,2 milhões de visitas em julho, e fica à frente do Conexão Política (1,6 milhão), Brasil sem Medo (730 mil) e Renova Mídia (479.469).
Mas o Terra Brasil é campeão disparado em compartilhamentos em grupos de Telegram e de WhatsApp, segundo o NetLab, que monitora 149 grupos públicos de viés bolsonarista e de extrema direita no WhatsApp (20.970 usuários) e 1.074 grupos e canais do Telegram de vários perfis ideológicos, em um total de 9,4 milhões de usuários.
Esses sites hiperpartidários, que constumam veicular conteúdo favorável a Bolsonaro e ataques à oposição, cumprem um papel importante na estratégia de comunicação do governo.
Segundo Marie Santini, professora da Escola de Comunicação da UFRJ e coordenadora do NetLab, esses sites são usados para respaldar teses e fornecer insumos para alimentar narrativas bolsonaristas.
“Os links desses sites são usados para corroborar argumentos da direita e extrema direita, com gráficos e números”, diz Santini. “Eles parecem sites noticiosos profissionais, imitam sites jornalísticos.”
O Terra Brasil já foi prestigiado pelo próprio Bolsonaro e pelo ministro do Desenvolvimento Regional, o potiguar Rogério Marinho.
“Olá Júnior Melo, do blog Terra Brasil, está aqui do meu lado, nosso ministro, Rogério Marinho, eu queria te mandar um abraço, agradecer a maneira como você divulga as matérias do governo e as outras também que interessam a todo o Brasil, você sempre tem isenção, coisa que realmente é louvável”, disse Bolsonaro em vídeo ao lado de Marinho.
“É isso aí, um abraço Júnior, continue sendo essa pessoa maravilhosa, e esse blog fantástico, com esse alcance aí, a partir de Mossoró, teve quase 9 milhões [na verdade, eram 6,3 milhões em abril, e 12,9 milhões em julho] de acessos no Brasil pela credibilidade das notícias”, disse o presidente.
Pouco antes da votação da PEC do voto impresso, em 10 de agosto, o Terra Brasil veiculava a manchete “URGENTE: CENÁRIO DA PEC DO VOTO IMPRESSO MUDOU E PODE SER APROVADA: Muitas adesões”. Embora por margem inferior à esperada pela oposição, a proposta foi derrotada porque teve 229 votos favoráveis, menos do que os 308 necessários.
Além de conteúdo sobre realizações do governo e críticas a políticos de esquerda, o site também veicula textos sobre supostas curas para a Covid que não têm comprovação científica, como ivermectina, e teorias da conspiração.
“Ivermectina: tratamento barato para Covid demonstrou ser altamente eficaz em um novo estudo revisado por pares” e “Bomba: documentos mostram coronavírus sendo testado (sic) como arma biológica 5 anos antes da pandemia por chineses” foram algumas das manchetes.
Por causa de conteúdo considerado desinformativo por agências de checagem, as publicações do Terra Brasil no Facebook e Instagram tiveram seu alcance reduzido pela plataforma.
Mas o número de acessos no site e, consequentemente, de anúncios direcionados pelo Google Adsense, continua a crescer, além dos compartilhamentos por WhatsApp e Telegram.
“Chegamos a ter 1 milhão de acessos em um único dia, em junho do ano passado…era algo sobre ivermectina”, conta o editor-chefe do site, o advogado Agacy Vieira de Melo Júnior, conhecido como Júnior.
Júnior toca o Terra Brasil ao lado da mulher, Micarla Rocha da Silva Melo, que resgitrou o CNPJ da empresa em 20 de maio de 2020. Ela recebeu, desde 2020, R$ 3.600 em auxílio emergencial, e devolveu R$ 600, segundo informações do governo.
“Nós somos entusiastas do conservadorismo e do presidente Bolsonaro, e sentíamos que a imprensa filtrava muito, não deixava passar o que a gente queria saber”, disse Junior à Folha.
“Nós praticamente não criamos, nós só reproduzimos [reportagens]…Por exemplo, pego um título ‘Daniel Silveira foi preso novamente’ – aí eu coloco uma pitada de irreverência…faço uma chamada… Eu pego a notícia, dou uma pesquisada, e reescrevo com viés conservador”, diz o advogado.
Indagado de onde tira as notícias, o advogado afirma: “Da CNN, Gazeta do Brasil, Pleno News, Crítica Nacional, Gazeta do Povo”.
Segundo ele, as “matérias” são feitas “dentro do carro, no celular, deitado na rede, às vezes escrevo errado e depois ajeito”. Ele informa ter perdido em primeira instância um processo movido pela atual governadora do estado, Fátima Bezerra (PT), por um conteúdo publicado no site.
Junior diz participar de mais de 200 grupos de WhatsApp e Telegram, onde compartilha os conteúdos. Segundo ele, seu conteúdo já foi compartilhado por políticos como o deputado General Girão (PSL-RN) e a deputada Carla Zambelli (PSL-SP). “O Sikêra Junior, quando republica a gente, é uma maravilha…”
O advogado conta que já foi convidado para eventos com os ministros Rogério Marinho e Fábio Faria, das Comunicações, mas diz que não recebe nenhuma ajuda financeira do governo. Só conheceu Bolsonaro pessoalmente há poucas semanas, quando tirou foto ao lado do presidente em um evento no Estado.
Segundo Agacy Júnior, o site se sustenta por meio de anúncios direcionados pelo Google Adsense e por assinaturas, que custam R$ 9,99.
“Teve um mês que conseguimos ganhar R$ 12 mil, mas, geralmente, fica na faixa de R$ 6.000”, diz. Além disso, ele afirma ter 250 assinantes e receber muitas doações. “Mas eu vivo da advocacia.”
Júnior afirma que seu apartamento é financiado pelo Minha Casa Minha Vida e que a esposa recebeu auxílio emergencial porque, no começo da pandemia, os dois pararam de ganhar dinheiro.
No site, eles se apresentam dizendo que o site “começou como um hobby, que foi crescendo e nos tornamos, hoje, um dos maiores meios de informação do Brasil.”
E acrescenta: “Notícias sempre checadas, feitas com cuidado, seriedade e carinho para manter nossos leitores sempre bem-informados com notícias atualizadas diariamente.”
Segundo Santini, esses sites hiperpartidários estão crescendo, financiados por anúncios via Google e a chamada mídia programática e disseminados por aplicativos de mensagens, ainda que algumas plataformas venham restringindo o alcance de publicações consideradas desinformativas.
Patrícia Campos Mello/Folhapress