22 novembro 2024
Eduardo Salles é engenheiro agrônomo com mestrado em Engenharia Agrícola pela Universidade Federal de Viçosa, em Minas Gerais. Está no seu terceiro mandato de deputado estadual e preside a Comissão de Infraestrutura, Desenvolvimento Econômico e Turismo, além da Frente Parlamentar em Defesa do Setor Produtivo. É ex-secretário estadual de Agricultura e ex-presidente do Conselho Nacional de Secretários de Agricultura (CONSEAGRI). Foi presidente da Associação de Produtores de Café da Bahia e da Câmara de Comércio Brasil/Portugal. Há 20 anos é diretor da Associação Comercial da Bahia. Ele escreve neste Política Livre mensalmente.
Sou da premissa que países não têm amigos, mas interesses. A frase, de autoria desconhecida, mas atribuída a estadistas do porte de Charles de Gaulle, Winston Churchill, Frank Delano Roosevelt e Jonh Foster Dulles, traduz como deve ser conduzida a política externa, principalmente após o fim da guerra fria e a intrincada economia globalizada.
Temos acompanhado estarrecidos nos últimos dias imagens da guerra ocasionada pela invasão russa ao território ucraniano, algo que, antes de prosseguir, gostaria de deixar claro meu repúdio.
Mas, ao contrário da avaliação preponderante na imprensa mundial e, em especial na brasileira, não tenho aqui a intenção de classificar quem são os bons e maus. Até porque, acredito, não podemos enxergar um conflito desta magnitude, com fatores históricos, de forma binária e classificar quem é santo e quem é vilão.
Há uma outra premissa que diz: em tempo de guerra, a primeira vítima é a verdade. E isso, em tempos de rede social, faz com que o conflito entre russos e ucranianos seja, antes de mais nada, uma disputa de versões. E, repito, não é a minha intenção escolher lados.
Mas há uma verdade que não podemos negar: a maioria vai perder, e nós, brasileiros, com a continuação da guerra, estaremos entre os que podem ter muitos prejuízos. Como representante da agropecuária e homem público, vejo, com extrema preocupação, os efeitos do conflito ao setor e, consequentemente, à nossa população.
A agropecuária, locomotiva da economia brasileira, após dois anos de alta nos custos de produção ocasionados pela pandemia da COVID-19, vai sofrer com a importação de fertilizantes.
Compramos de outros países 85% do produto utilizado em nossas lavouras. A Rússia responde por 30% e a Belarus, que tem o presidente aliado a Vladimir Putin, por outros 20%.
Segundo levantamento da Comex Stat, o Brasil importou 41 milhões de toneladas de fertilizantes da Rússia apenas em 2021. O país comandado por Vladimir Putin responde pela produção de 10% dos nitrogenados, 7% dos fosfatados e 20% dos potássicos no mundo, conforme a FGV (Fundação Getúlio Vargas).
A Belarus, que tem seu presidente Aleksandr Lukachenko questionado pelo Ocidente, não tem saída para o mar. A Lituânia, onde o porto era utilizado para exportar os fertilizantes ao Brasil, cortou relações.
As sanções aplicadas por Estados Unidos e Europa à Rússia, como a proibição de utilizar o Dólar e o Euro, por exemplo, em negociações comerciais, vai ser mais um impeditivo na aquisição de fertilizantes.
A Ucrânia é também a maior produtora de milho e a escassez do produto no mercado vai impactar nos custos da ração, aumentando o preço da carne vermelha e frango ao consumidor brasileiro.
Rússia e Ucrânia são grandes produtores de trigo e a guerra fará com que a Argentina, de quem compramos o cereal, tenha um aumento da procura, o que também impacta no preço do pão e derivados nos mercados nacionais.
A soja, fundamental também para a ração na pecuária, sem os fertilizantes russos, terá aumento, onerando os custos aos produtores.
E por falar em soja, em 2021 a Rússia importou 768,2 mil toneladas, o que resultou em US$ 343,2 milhões em divisas ao país. Eles compraram também 105,8 mil toneladas de carne de frango, ou US$ 167,1 milhões. A perda deste mercado preocupa.
Existe uma crença nacional que por aqui tudo que se planta dá. Não é verdade. É o trabalho árduo do produtor, o investimento em pesquisa e o empreendedorismo do setor que conseguem fazer as correções nutricionais no solo para que o Brasil siga como um dos maiores produtores de alimento do mundo. Sem fertilizantes não é possível produzir.
Some a este cenário o aumento dos combustíveis, mais um insumo importante nos custos de produção e que, inevitavelmente, será repassado ao preço final.
Mas, infelizmente, somos dependentes do mercado internacional. Neste momento de guerra, e instabilidade no fornecimento de fertilizantes, as preocupações são imensas.
Não temos como controlar o conflito entre outros países, mas passou da hora de o Brasil se preparar e ser menos dependente do mercado internacional de fertilizantes, matéria-prima fundamental para a agropecuária, locomotiva da sua economia.
Tenho convicção que a competente ministra Tereza Cristina e sua equipe já traçaram um plano B para que a safra 2022/2023 não fique à mercê das incertezas desta guerra.
Independentemente da posição da Rússia, Ucrânia e OTAN, nossos interesses devem sempre estar acima de tudo, independente de qual bandeira partidária ocupe o Palácio do Planalto, porque países não têm amigos.