23 dezembro 2024
Adriano de Lemos Alves Peixoto é PHD, administrador e psicólogo, mestre em Administração pela UFBA e Doutor em Psicologia pelo Instituto de Psicologia do Trabalho da Universidade de Sheffiel (Inglaterra). Atualmente é pesquisador de pós-doutorado associado ao Instituto de Psicologia da UFBA e escreve para o Política Livre às quintas-feiras.
É interessante observar como a repetição de alguns padrões de comportamentos leva à sua naturalização e como isso vai mudando o sentido das coisas sem que nos apercebamos do que vai acontecendo. Participei recentemente de um exercício de planejamento que propunha, como uma de suas etapas preliminares, a elaboração de uma lista extensiva de instituições e organizações com interesses e/ou influência sobre a universidade. A ideia era demonstrar como seria possível estabelecer categorias que guiassem políticas de relacionamento e comunicação com interessados (stakeholders) pela ação da organização (UFBA). Essa foi uma atividade realizada em sala de aula, com estudantes de pós graduação, sendo conduzida pela vice reitora de planejamento a administração da Universidade de Coimbra, Portugal.
O que parecia ser trivial e corriqueiro rapidamente se mostrou como algo complexo, controverso, tendo produzido vívido debate e acabou servindo como ilustração para a mudança de sentidos que me referi acima. Na produção dessa lista de interessados chamou minha atenção a presença das empresas organizadoras de formaturas e solenidades ao lado dos insuspeitos MEC, CAPES, CNPQ e tantas outras.
Isso me fez relembrar a última “formatura” que assisti. Olhando em retrospectiva é possível perceber que o momento que deveria ser o ápice da experiência acadêmica se transformou em um espetáculo. A turma contava com cerca de 30 formando e haviam umas 13-14 pessoas da empresa organizadora, todos vestidos de preto, com fones de ouvido (ao melhor estilo serviço secreto de filmes), as mãos ocupadas com pranchetas ou papéis, à exceção dos seguranças fortões que tomavam conta da porta na reitoria. A entrada dos formandos seguia o padrão festa de casamento, uma longuíssima procissão que se arrastava pelo salão. Uma festa de luz e sons, chuva de prata e inúmeros fotógrafos. E no final o diploma sendo entregue pelo país. Tudo lindo e maravilhoso, empacotado em um convite com cara de caro, onde tinha dificuldade de ler o nome dos formandos, mas via seus rostos maquiados em várias poses diferentes. Entretanto, ficou a pergunta: qual o lugar da Universidade?
Bem, a universidade ficou em terceiro plano e eu fiquei com a impressão que ela apenas emprestava o cenário (o salão) para a festa. Mas o que se perdeu? No embalo do espetáculo-ostentação somente um número restrito de estudantes participa, aqueles que estão dispostos a arcar com os custos elevados. Uma segunda perda é simbólica, um ritual de passagem acadêmico foi substituído por uma celebração de consumo, com sinal contrário à toda pregação e sentido ético tão discutido e debatido na universidade. Mesmo o uso das vestes talares (beca) não remete à história ou tradição acadêmica, mas se apresenta como o adereço que identifica a festa do momento da foto, assim como as máscaras e as placas nas festas de casamento. A Universidade de Brasília e a Unesp, apenas para citar dois exemplos, assumiram a organização das colações de grau e recuperaram o seu simbolismo e o caráter acadêmico. As festas particulares, individuais ou coletivas, continuam existindo normalmente, mas não no espaço universitário.
No final das contas a questão principal não é ter ou não festa, mas refletir sobre o significado das ações e comportamentos que repetimos e não simplesmente assumir que as coisas são assim mesmo. Muitos podem achar que este é um assunto menor e sem sentido diante dos graves problemas que enfrentamos. Pode até ser, mas nasceu em meio a uma reflexão sobre o que importava ou não. É possível que ele seja indicativo de algo mais. Será que a única naturalização que fazemos é a das festas espetáculos?