Elias de Oliveira Sampaio
EU SOU OLODUM, QUEM TU ÉS?
29/04/2015 às 18:47
Atualizado em 29/04/2015 às 18:47
O Olodum, Bloco Afro do Maciel Pelourinho, completou 36 anos de vida no último dia 25 de abril. O artigo de hoje é uma singela homenagem a essas quatro décadas de carnaval, cultura, negritude e, acima de tudo, de um exemplo emblemático de organização social e política que, vive e sobrevive, cria e recria, atua e atualiza, inova e transforma nossa sociedade e nossa cultura, através de políticas públicas não governamentais.
O Olodum é muito mais que uma entidade carnavalesca: é uma das mais legitimas representantes das instituições do terceiro setor e da economia criativa e ator apartidário que se consolidou nacional e internacionalmente, como uma referência da luta pela igualdade e pela cultura da paz. Antenado com a contemporaneidade, o Olodum considera que o ano de 2015 se constituiu em um divisor de águas na história do país, mas, diferentemente do que o senso comum parece querer demonstrar, acredita que o foco dos problemas não está apenas na política partidária ou na fragilidade da gestão governamental do momento.
É óbvio que a responsabilidade da atual elite política, social e econômica que dirige os espaços de poder, nos governos e nos mercados, se constitui numa dos mais importantes catalisadoras das mazelas que foram estruturadas pela formação histórica de um estado racista e elitista, dominado por um status quo irresponsável e patrimonialista. Essa é a nossa depreensão quando nos debruçamos por sobre as mensagens que o Bloco Afro conseguiu traduzir nessas quase quatro décadas de existência, através das criações de seus compositores, performances de cantores, instrumentistas e produtores, em estreita interação com os diversos segmentos da sociedade e com a população negra e mestiça dos bairros populares, em especial.
Por isso, o Olodum sintetiza, nos três dias de apresentação na avenida, sua intervenção mais pública, através de temas que instruem, provocam e, acima de tudo, resgatam o legado civilizatório que povo negro trazido à força de África, vem imprimindo nas Américas e, especialmente, no Brasil e na Bahia. Da homenagem à Nigéria e ao Rei de Oyo de 1981 à celebração da Etiópia, a Cruz de Lalibela e ao Pagador de Promessas em 2015, o Bloco Afro Pelourinho apresenta-se como um sujeito coletivo que conta, reconta, interpreta e reinterpreta nossa história à luz de uma dimensão particular que remonta as divindades do Egito antigo, chegando até os dias de hoje, com os nossos complexos personagens dos guetos da cidade com heróis e anti-heróis de nossas comunidades, que fazem o Brasil verdadeiro e concreto, onde “sobreviver não é pra vacilão”.
Nesses 36 anos de vida, foram 37 países visitados e que tiveram o privilegio de ver, ouvir e sentir a batida do Samba-Regae imortalizado por Neguinho do Samba a partir das ruas do Maciel Pelourinho que já, há vinte anos, rebebia o maior astro pop da música mundial de todos os tempos, Michael Jackson, para cantar e dançar com o Olodum, no largo do Pelô. Essa é uma dimensão da importância desse Bloco Afro que estratos dos circuitos superiores da sociedade insistem em não querer enxergar, como as possibilidades que existem nas coisas mais genuínas que são feitas aqui em nossa terra, pelos atores sociais do chamado circuito inferior da sociedade. É Essa miopia na visão de mundo dos detentores do poder, que tem sido o principal obstáculo a um processo pleno de desenvolvimento do nosso país.
O Olodum, como as demais Instituições Afro congêneres de Salvador, lideradas pelo Ilê Aiyê, a partir dos anos de 1970, são verdadeiros mananciais de políticas públicas não governamentais e apropriadas para uma cidade de maioria negra e mestiça, de tradição multiétnica e multicultural. Os projetos sociais dessas organizações, particularmente na área de educação, cultura e cidadania, são inovadores, por excelência, visto que, os seus projetos pedagógicos priorizam a formação humanitária e comunitária pautada por histórias de luta e resistência que consideram a diversidade geracional, de gênero e religiosa como uma razão de ser da sociedade, em consequência do aprendizado vindo de matrizes conceituais, teóricas, metodológicas e experimentais, de base afro-centrica ou afro-referente, nas quais são assentadas.
A excelente notícia é que, como sujeito atemporal, aespacial e plural que é, no carnaval de 2016 o Olodum mostrará o seu entendimento sobre todas essas coisas e as relações que delas foram derivadas na contemporaneidade. Mais uma vez, participará dos grandes momentos do Brasil e da Bahia, mostrando a sua Cara e demonstrando que ser Olodum é ser muito mais do que ser um amante da sua música, das suas cores, dos seus símbolos e de seu desfile carnavalesco: ser Olodum é ser um ator coletivo, consciente de suas responsabilidades sociais e políticas e um guerreiro em defesa da paz e da igualdade.
Por essa convicção, o mote para suas atividades e performances, durante todo esse ano, terá como inspiração duas músicas que foram sucesso nacional e hino da juventude nas décadas de 1980 e 1990, hoje dois clássicos de nossa canção popular: Brasil, de Cazuza e Berimbau, de Pierre Onassis. A ideia síntese é que a sociedade brasileira reconheça todas essas referências para além do simbólico. Brasil mostra a sua Cara: Eu sou Olodum quem tú és?
