23 novembro 2024
Economista do Ministério da Economia. Mestre em Economia e Doutor em Administração Pública pela UFBA. Autor de diversos trabalhos acadêmicos e científicos, dentre eles o livro Política, Economia e Questões Raciais publicado - A Conjuntura e os Pontos Fora da Curva, 2014 a 2016 (2017) e Dialogando com Celso Furtado - Ensaios Sobre a Questão da Mão de Obra, O Subdesenvolvimento e as Desigualdades Raciais na Formação Econômica do Brasil (2019). Foi Secretário Estadual de Promoção da Igualdade Racial (Sepromi) e Diretor-presidente da Companhia de Processamento de Dados do Estado da Bahia (Prodeb), Subsecretário Municipal da Secretaria da Reparação de Salvador (Semur), Pesquisador Visitante do Departamento de Planejamento Urbano da Luskin Escola de Negócios Públicos da Universidade da Califó ;rnia em Los Angeles (UCLA), Professor Visitante do Mestrado em Políticas Públicas, Gestão do Conhecimento e Desenvolvimento Regional da Universidade do Estado da Bahia (Uneb). Professor, Coordenador do Curso de Ciências Econômicas e de Pesquisa e Pós-Graduação do Instituto de Educação Superior Unyahna de Salvador.
O laçamento formal da pré-candidatura da Deputada Estadual Olivia Santana à Prefeitura de Salvador, pelo PC do B, é uma quebra de paradigmas no que se refere as disputas eleitorais majoritárias na Cidade. Diante da Presidente Nacional de seu Partido, a pernambucana Luciana Santos, do Presidente Estadual Davidson Magalhães e da “elegância sutil” de Bobô, seu colega na ALBA, a NEGONA DA CIDADE, finalmente foi ungida pela direção de sua agremiação política para uma das tarefas mais difíceis de sua exitosa carreira como mulher pública, qual seja, destronar em 2020 a aristocracia forçada pela elite branca, patriarcal e racista que governa o Lugar mais negro fora do continente africano, por mais de 470 ininterruptos e longos anos.
Não será uma tarefa fácil, mas, em princípio, Olivia não estará só. A coragem de seu partido em antecipar uma decisão que, caso fosse postergada, apenas trabalharia contra a definição pelo seu nome, devido as inúmeras outras possibilidades de articulações políticas em curso, não pode ser desprezada e muito menos vista, tão somente, como uma suposta artimanha para negociações políticas futuras pouco legitimas. De fato, por mais óbvio que as expectativas adaptativas da pratica política mais tradicional não nos deixe perder de vista que sempre há a possibilidade de desejos inconfessáveis, por parte de alguns, para o uso perverso de imagens, nomes e lideranças forjadas pelo movimento social para agregar valor a acordos eleitorais posteriores que, em verdade, não cabe apenas aos partidos per se, mas também a todo o arco de alianças que eles fazem parte para garantir a sua própria sobrevivência em nível local e nacional no médio e longo prazos.
Contudo, até que se tenha evidências ao contrário, a atitude do PC do B revela um importante movimento que concorre para criar uma oportunidade objetiva para alterar definitivamente a hierarquização racial e de gênero que tem orientado as escolhas políticas em Salvador e na Bahia, desde sempre. A realidade fática é que os Comunistas fizeram aquilo que os demais partidos ditos progressistas estão resistindo ao máximo a fazer, isto é, reconhecer de forma pública e notória que dentre os seus próprios quadros há pessoas capazes de comandar o palácio Thomé de Souza sem ser, necessariamente, mais um homem branco chancelado pelo fetiche eurocêntrico que tanto nos importuna e tem impedido as transformações socioeconômicas necessárias ao desenvolvimento pleno de Salvador, há mais de cinco séculos.
Nesse contexto, cabe também salientar o evidente desconforto causado pela ação do PC do B em lideranças de seus congêneres da centro-esquerda, mormente os partidos da base do governo do Estado, cujo jogo eleitoral, em tese, deveria ser previamente combinado. Ou ainda, o sinal amarelo que se acendeu nas hostes do grupo do Prefeito ACM Neto que, ao substituir Célia Sacramento por Bruno Reis como vice de sua chapa em 2016, estava se sentindo muito à vontade para oferecer, mais do mesmo, como proposta de sua substituição no comando da Cidade. Por isso, é muito desconfortável ter que testemunhar que, numa metrópole com as características culturais como Salvador, em pleno século XXI, as vontades políticas continuam a se materializar em pessoas que do ponto de vista étnico-racial, por exemplo, não guardam nenhuma diferença com os Bolsonaros 01, 02 e 03, três exemplos dos mais emblemáticos de nossa conjuntura de como a vantagem ser homem branco de origem europeia torna tudo mais fácil e possível de se fazer na política, independente da coloração ideológica que se tenha.
Portanto, ao admitirmos que a escolha dos Comunistas recaiu sobre a Deputada Estadual por ter sido uma decisão de consenso e sem disputas internas e, adicionalmente, que em nada tenha a ver com as prerrogativas de caráter étnico e identitários que são inerentes a figura pública de Olivia Santana, ou, muito menos, um efeito (in) direto da Campanha EU QUERO ELA, exitosamente capitaneada pela “Bancada do Feijão”, cabe-nos humildemente indagar qual teria sido, do ponto de vista mais pragmático, a justificativa “política” para a escolhida não ter sido a Deputada Federal Alice Portugal, que possui um recall eleitoral testado e mais robusto do que o da própria Olivia e até mesmo dos concorridos “kinder ovos” de algumas outras legendas, para uma disputa majoritária em Salvador?
Pois bem, a despeito da incapacidade cognitiva, da miopia política e da alienação da realidade histórica de nosso país e alhures, por parte de muitos representantes da chamada esquerda que ainda não conseguiram superar o conteúdo abstrato das cinco primeiras páginas de quaisquer dos livros de Marx (o Manifesto, inclusive), a falta de reconhecimento das lutas identitárias em geral, e das questões raciais em particular, são sim, os elementos políticos institucionais e socioeconômicos que explicam não apenas o subdesenvolvimento do nosso país, mais também a persistência da manutenção de uma elite branca, patriarcal e racista no comando do Brasil, da Bahia e de Salvador, desde 1500.
É a incompreensão desse processo que tem impedido que mesmo após o interregno de poder exercido pela esquerda em nível nacional (2003-2016) e a partir de 2007 em nível estadual, não tem permitido que os dealers do poder burocrático governamental adquiridos com o voto de uma maioria negra, não ter se apercebido que a crise institucional em que vivemos e o fato da mítica Roma Negra nunca ter sido dirigida por um prefeito ou prefeita eleitos que tenha o mesmo perfil da maioria da sua população é um exemplo inequívoco de que o esforço de transformação político-social dos Governos de Lula e de Wagner, está além de inconcluso, fadado ao completo insucesso se a igualdade de oportunidades impressas nos desenhos normativos de suas gestões não chegarem de forma efetiva às disputas políticas eleitorais capitaneadas pelo PT e os seus aliados que foram os veículos de suas ascensões ao poder político no Brasil e na Bahia.
Semente esse desentendimento explica o fato de tais agremiações que possuem representações negras históricas ainda não terem se tocado que figuras como Vovô do Ilê Aiyê, Vilma Reis, Moisés Rocha e Sílvio Humberto, para citarmos apenas os pré-candidatos da base do Governo Estadual, não estão se expondo às eleições de 2020 para satisfazer uma necessidade pessoal de lutar por um espaço de poder na burocracia pública municipal, mas sim, para oportunizar os seus respectivos partidos a fazer escolhas diferentes do que tem sido feitas nos últimos cinco séculos em Salvador, por uma questão muito simples: o modelo de liderança masculina e eurocêntrica amalgamado no inconsciente coletivo dos detentores e distribuidores dos recursos econômicos e de poder, tem sido um fracasso para o desenvolvimento socioeconômico e político-institucional de nossa cidade.
No momento, o PC do B está fazendo a sua lição de casa.
Da nossa parte, Eu também quero Olivia!