Karla Borges

Economia

Professora de Direito Tributário, graduada em Administração de Empresas (UFBA) e Direito (FDJ) ,Pós-Graduada em Administração Tributária (UEFS), Direito Tributário, Direito Tributário Municipal (UFBA), Economia Tributária (George Washington University) e Especialista em Cadastro pelo Instituto de Estudios Fiscales de Madrid.

Gentrificação ou Filtragem

A intervenção em uma determinada área urbana submetida a um processo de alteração do seu perfil imobiliário com o surgimento de construções mais sofisticadas, impossibilitando a permanência da população que lá reside pela valorização do local e pelo aumento exorbitante dos bens e serviços dá-se o nome de gentrificação. Esse fenômeno, propagado pelo geógrafo Neil Smith nos seus escritos sobre como o mercado influencia a ocupação dos espaços urbanos, foi citado pela primeira vez pela britânica Ruth Glass, em 1963, no seu trabalho que descrevia as transformações ocorridas nos distritos londrinos.

Planos de reurbanização e políticas habitacionais instituídas pelo poder público podem redundar numa severa ação de gentrificação. Não existe consenso sobre o assunto. Áreas decadentes, que carecem de melhorias, necessitam de intensos reparos. Por sua vez, um projeto de revitalização pode ocasionar a expulsão natural da população de menor renda do lugar onde nasceu pela própria incapacidade de se manter e suportar, dentre outras consequências, o aumento dos aluguéis. Usualmente, a intenção é criar condições favoráveis de forma a estimular a atração de capital privado, resultando na descaracterização total ou parcial de um bairro ou cidade.

Normalmente, as pessoas que residem, trabalham ou frequentam a região em fase de revitalização não são ouvidas e são as que mais sofrem com os impactos provocados pelas obras. Terminam, assim, por migrar para outros lugares, além de sentirem uma enorme frustração pelo fechamento de uma série de pequenos estabelecimentos comerciais que resistiam ao tempo. No Brasil, foram implantados diversos projetos de recuperação e preservação de centros históricos, entretanto, corre-se sempre o risco de introduzir modelos internacionais de urbanismo inadequados à realidade nacional que desprezam, na maioria das vezes, as condições culturais e ambientais de cada localidade.

De modo distinto, existe a filtragem que é essencialmente a gentrificação em sentido inverso: situação em que ocorre uma intercessão que pode causar grave prejuízo, como o exemplo da construção do Minhocão em São Paulo. Culminou com a desvalorização dos imóveis, onde indivíduos de menor poder aquisitivo passaram a ocupar os imóveis antes pertencentes a um segmento mais abastado. Fecharam-se ruas, submeteram os habitantes a aspirar gás diariamente, deterioraram todo o entorno. Pesquisas elaboradas por universitários paulistanos constataram que muitos moradores dos prédios ao longo do Minhocão são ambulantes do comércio informal do centro.

O fato é que tanto a gentrificação como a filtragem podem acontecer concomitantemente, inclusive fazem parte de variadas plataformas de expansão de grandes metrópoles. Há interesse do setor privado acoplado à colaboração do poder público através da legislação do ordenamento do uso e ocupação do solo e do plano diretor de desenvolvimento. O abandono de determinados espaços e a aniquilação urbanística de áreas consideradas nobres podem ser medidas estratégicas adotadas propositadamente diante da alta lucratividade futura e da possibilidade de reversão do quadro desfavorável em um curto período de tempo.

O perigo iminente é a cultura de segregação que fenômenos dessa natureza podem acarretar, uma vez que uma verdadeira cidade é composta de todos os tipos de gente sem qualquer distinção ou discriminação. O preço a ser pago pela reabilitação urbana pode ser alto demais, por isso deve ser precedido de estudos técnicos rigorosos. Afinal, assim como pessoas menos favorecidas são substituídas pela classe média alta, elas podem ocupar os vazios deixados por aqueles que abandonam as suas moradias, descontentes pela destruição do verde, pela construção de arranha-céus, pelas temperaturas elevadas, pela poluição e sobretudo pela degradação do lugar onde sempre viveram. Será que vale a pena apagar a história que tantos ajudaram a construir?

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