26 novembro 2024
Professora de Direito Tributário, graduada em Administração de Empresas (UFBA) e Direito (FDJ) ,Pós-Graduada em Administração Tributária (UEFS), Direito Tributário, Direito Tributário Municipal (UFBA), Economia Tributária (George Washington University) e Especialista em Cadastro pelo Instituto de Estudios Fiscales de Madrid.
No último dia 15 de dezembro de 2016, o Supremo Tribunal Federal (STF) declarou ser, por unanimidade, inconstitucional a Lei 8.866/1993 que estabelece a possibilidade de prisão do devedor de tributos, tido como depositário infiel de débitos tributários por ser essa norma considerada uma ferramenta desproporcional que visa apenas o aumento de arrecadação, além de contrariar tratados internacionais, dos quais o Brasil é signatário.
O depositário é a pessoa cuja legislação tributária ou previdenciária impõe a obrigação de reter ou receber de terceiros, e recolher aos cofres públicos, os impostos, as taxas e contribuições, inclusive as da Seguridade Social. O depositário infiel é aquele que não entrega à Fazenda Pública o valor retido, caracterizando como provas para tal situação: as declarações de pessoas físicas ou jurídicas, o processo administrativo concluído e os débitos inscritos em Dívida Ativa. Vale ressaltar que a infração permanece por parte do retentor por apropriação indébita, todavia, não mais passível de reclusão.
Depois da citação, se não houvesse recolhimento ou depósito da importância, o juiz decretava a prisão do depositário por período não superior a 90 dias. Tratando-se de pessoa jurídica, a prisão recaía sobre seus diretores, administradores, gerentes ou empregados que movimentassem recursos financeiros. Entretanto, essa determinação prevista na lei estava suspensa por liminar desde 1994 e somente agora teve o seu mérito apreciado.
O STF entende que o fisco possui mecanismos para execução fiscal, como a prerrogativa de penhora de bens e a inscrição do devedor no cadastro de inadimplentes, considerando desnecessária a imputação da grave pena de restrição da liberdade. É vedada, ainda, pela própria jurisprudência do órgão a utilização de meios coercitivos indiretos de cobrança da dívida. Aduz, de igual maneira, que ao exigir o depósito para contestação administrativa do débito, a lei restringe também a chance de defesa do devedor.
A Constituição Federal é cristalina quando reza que ninguém será privado de estar livre sem o devido processo legal, sendo assegurados aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral, o contraditório e a ampla defesa. Contudo, talvez o fundamento mais importante dessa ação seja o fato de o Brasil ter assinado o Pacto de San José da Costa Rica, que veda a prisão por dívida, por ferir um direito fundamental do indivíduo, mesma tese utilizada pelo STF para afastar a probabilidade de prisão por dívida no caso de depositário infiel em ações cíveis.
O problema é que durante os últimos anos houve julgamentos com posições distintas sobre a matéria entre o STF e o STJ. Alguns estudiosos alegam que essa decisão abre um precedente para a sonegação fiscal, uma vez que permite que ninguém seja preso por deixar de pagar os tributos devidos. É que no caso de retenção sem o devido recolhimento ao erário público, o agente teria um enriquecimento ilícito, por ser um mero repassador.
Desta forma, ainda que a Carta Magna preveja a prisão civil ao devedor de alimentos e ao depositário infiel, este último não pode ser arguido como motivo de aplicação de medida restritiva máxima de liberdade pela existência e supremacia de tratados internacionais de direitos humanos que o Brasil faz parte. Ademais, até o presente momento, permanece em vigor a Súmula Vinculante 25 do STF que dispõe: “É ilícita a prisão do depositário infiel, qualquer que seja a modalidade do depósito”.