Foto: Paula Fróes/GOVBA
Na Bahia, são mais de 12 mil mortos, com 700 mil casos registrados desde o 6 de março do ano que passou 06 de março de 2021 | 07:02

Um ano da Covid-19 na Bahia: da faculdade para linha de frente, médicos contam impacto da doença em suas vidas

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Aos 28 anos, e apenas cinco meses de formado, o médico Hiron Nepomuceno não esperava ter que escolher entre quem vive e quem morre no seu plantão. Baiano, mas atuando no estado do Pará, o profissional conta que o coronavírus impactou muito diretamente a forma como vê o mundo. Para ele, a esperança na humanidade tem se esvaído.

“A gente lida com situações que levam o nosso psicológico em uma semana. Mas só temos nós e temos que ir de qualquer jeito. Pra mim, enquanto ser humano, foi um divisor de águas, desacreditar que a humanidade vai melhorar, respeitar as regras, o maior ensinamento enquanto profissional é a importância de ver todo mundo, num hospital que não tem nada, todo mundo fazendo o máximo para dar a melhor qualidade de vida para o paciente que a gente sabe muitas vezes que vai a óbito”, afirmou, em contato com o Política Livre.

Nepomuceno conta que sempre sonhou em ser médico para “solucionar problemas” dos seus pacientes, mas o cenário que encontrou após a formatura é muito diferente. “Nunca acreditei que seria cobrado dessa forma, com uma sobrecarga tão grande, ser quem vai definir se alguém vai viver ou não. Jamais imaginei essa sobrecarga que a minha profissão fosse me abalar tanto psicologicamente. Sonhava em fazer uma medicina mais humanizada”, narra.

Hiron conta que nem sempre consegue se desligar do trabalho ao deixar a unidade em que atua. Ele se queixa ainda da insistência de alguns pacientes em pedir a prescrição de medicamentos que não têm eficácia contra o Sars-Cov-2. “No início de dezembro fui para o Pará trabalhar com casos de covid. Aqui é outra realidade, diferente da Bahia. Além da dificuldade em si, tem escassez de material muito maior. Falta oxigênio, tem que escolher qual paciente você vai investir mais. Temos três respiradores e sempre tenho que escolher entre dez pacientes que precisam ser intubados. Além de tudo isso, tem uma pressão na figura do médico para prescrever remédios sem comprovação científica. Somos questionados por não fazer nada para os casos leves. Nos sentimentos desgastados por isso. O pior de sair da faculdade e ir diretamente é a questão emocional”, aponta.

Aos 31 anos, a médica Mônica Caldas emenda plantão de 24h com outros de 36h. A rotina já seria muito desgastante se parasse por aí, mas o coronavírus faz tudo ser pior. “A experiência é que agora, com a segunda onda, tem piorado. Muitas vezes a gente está no plantão, sabe o que precisa, mas faltam recursos, leitos, algumas vezes a gente vê o óbito por não ter muito o que fazer”, reconhece.

Com três meses de formada, Mônica não esperava “entrar” na profissão com esse panorama. “Eu pensei que seria médica para ajudar a população, qualidade de vida. Não esperava que começasse dessa forma. Ficamos assustados, pois não temos tanta experiência. Já sabia dos relatos, mas o dia-a-dia é muito pior”, diz. Ao chegar em casa, ela narra, tenta se desligar dos acontecimentos dentro do hospital. “Claro que me apego a alguns pacientes, mas sei que tenho que ter um coração mais frio. Não deixo de sentir as perdas. Agora eu tenho tentado me desligar, senão fico pensado no plantão o tempo todo. Tento esquecer quando passo pela porta”, desabafa.

Situação no Brasil — De acordo com o Conselho Federal de Medicina (CFM), 465 médicos tinham morrido de Covid até janeiro deste ano. Na Bahia, aponta o CFM, foram 21 profissionais mortos. O número é ainda mais desolador se for ampliado para toda categoria de saúde. No final de janeiro, pelo menos 990 médicos, enfermeiros e técnicos, de acordo com dados oficiais, morreram vítimas da doença. Hoje (2), dia em que essa matéria foi escrita, mais de 255 mil brasileiros perderam suas vidas para o Sars-Cov-2.

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Alexandre Galvão
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