19 junho 2025
Advogado eleitoralista da NF Assessoria Jurídica, Membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (ABRADEP), Membro da Comissão de Direito Eleitoral da Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional Bahia, Professor de Direito Eleitoral de cursos de graduação e pós-graduação. É Procurador Municipal, e assessor jurídico na Câmara dos Deputados e de diversos municípios. Foi pesquisador bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia, e Assessor Parlamentar. Atua nas áreas eleitoral, partidário, público-municipal e perante tribunais de contas.
Recentemente o Supremo Tribunal Federal, quando da análise da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 982/PR, estabeleceu a seguinte tese:
1) Prefeitos que ordenam despesas têm o dever de prestar contas, seja por atuarem como responsáveis por dinheiro, bens e valores públicos da administração, seja na eventualidade de darem causa a perda, extravio ou outra irregularidade que resulte em prejuízo ao erário.
2) Compete aos Tribunais de Contas, nos termos do art. 71, II, da Constituição Federal de 1988, o julgamento das contas de prefeitos que atuem na qualidade de ordenadores de despesas;
3) A competência dos Tribunais de Contas, quando atestada a irregularidade de contas de gestão prestadas por prefeitos ordenadores de despesa, restringe-se à imputação de débito e à aplicação de sanções fora da esfera eleitoral, independentemente de ratificação pelas Câmaras Municipais, preservada a competência exclusiva destas para os fins do art. 1º, inciso I, alínea g, da Lei Complementar nº 64/1990.
Para que não existam dúvidas acerca do que foi decidido pelo Supremo nesse caso, é importante esclarecer algumas questões relevantes quanto ao tema do julgamento de contas de prefeito.
De início, não há dúvidas acerca da necessidade da apresentação dos documentos que comprovem a regularidade dos gastos públicos por aqueles que exercem o mandato de prefeito, ora perante a Câmara Municipal, ora perante os Tribunais de Contas.
Nesse ponto, faz-se necessário diferenciar as contas de governo, prestadas anualmente, e as contas de gestão, que são obrigatórias na hipótese da administração de verbas públicas. E tão importante quanto é a distinção, de igual modo, da competência para o julgamento das contas em cada uma dessas situações.
Nas primeiras (contas de governo), há a demonstração da execução orçamentária do município, e da atuação governamental dentro de um exercício financeiro, retratando, por exemplo, o cumprimento de índices constitucionais (saúde e educação) e a observância ao limite de gastos com pessoal. Aqui reside a competência da Câmara Municipal prevista na Constituição Federal de 1988. Nas palavras do Ministro Luís Roberto Barroso, no julgamento do Recurso Extraordinário nº 848.826/CE, “o julgamento dessas contas feito pelos representantes do povo é eminentemente político”.
Já no que tange às contas de gestão, estas são prestadas por administradores de recursos públicos, enquanto ordenadores de despesas. Quanto a essas contas, o Ministro Flávio Dino, relator da ADPF nº 982/PR, esclareceu que “a Constituição Federal dispõe que compete, às Cortes de Contas, exercerem seu julgamento”.
Feitos esses esclarecimentos, é importante compreender por que essa definição pelo STF era necessária e representa um distensionamento entre os Tribunais de Contas, o Poder Judiciário, as Câmaras Municipais e os próprios prefeitos. Antes dessa decisão, diferentes Tribunais de Justiça do país interpretaram, de maneira divergente, as competências das Cortes de Contas para julgar atos de prefeitos enquanto ordenadores de despesa, revelando um cenário de imprevisibilidade em desfavor da governabilidade e do controle externo.
Com a nova tese firmada pelo Supremo, os Tribunais mantêm sua competência técnica para analisar a regularidade dos gastos públicos e aplicar sanções administrativas, enquanto as Câmaras Municipais preservam sua prerrogativa democrática de julgar as contas de governo e decidir sobre questões que possam gerar inelegibilidade. Cada instituição passa a exercer suas competências dentro de limites bem definidos.
A decisão do STF representa, assim, um marco para a segurança jurídica dos gestores municipais. Ao estabelecer com clareza as fronteiras entre o controle técnico dos Tribunais de Contas e o controle político das Câmaras Municipais, a Suprema Corte fortalece tanto a autonomia municipal quanto a eficiência do sistema de controle externo.
Para os prefeitos, isso significa poder desempenhar as suas funções com maior previsibilidade sobre as consequências de seus atos, sabendo que o julgamento técnico de suas contas de gestão ficará restrito aos aspectos administrativos e financeiros, enquanto as implicações eleitorais permanecerão sob o crivo democrático do Poder Legislativo local.