23 novembro 2024
Lucas Faillace Castelo Branco é advogado, mestre em Direito (LLM) pela King’s College London (KCL), Universidade de Londres, e mestre em Contabilidade pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). É ainda especialista em direito tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (IBET) e em Direito empresarial (LLM) pela FGV-Rio. É diretor financeiro do Instituto dos Advogados da Bahia (IAB) e sócio de Castelo e Dourado Advogados.
Poucos questionam o papel fundamental da imprensa em uma democracia. Nos Estados Modernos, de grande extensão territorial, os cidadãos estão longe do círculo de poder e de seus bastidores. Cabe a imprensa revelar acontecimentos de interesse público que de outra forma permaneceriam ocultos e desconhecidos.
Os cidadãos, de posse dessas informações, podem decidir melhor acerca do futuro de seu país, quando chamados a fazer escolhas. Eis o cenário ideal que se imagina sobre o papel dos cidadãos e da imprensa no contexto democrático.
Contudo, desde Platão, questiona-se a capacidade dos cidadãos de realmente decidirem com conhecimento de causa. Com o surgimento das grandes empresas jornalísticas, mais recentemente, passou-se a questionar também o papel da imprensa.
Um dos críticos mais proeminentes foi Walter Lippmann, jornalista americano que escreveu, em 1922, Opinião Pública. Lippmann era um cético a respeito da capacidade dos cidadãos de traduzir corretamente as informações e da imprensa de transmitir a verdade.
Para explicar a sua tese, Lippmann importa para a ciência social o conceito de estereótipo. De acordo com o autor, os estereótipos são padrões de comportamentos estabelecidos culturalmente. Graças aos estereótipos podemos atribuir significados aos acontecimentos sociais.
Nesse sentido, os estereótipos são necessários para a coesão social, pois, por meio deles, significados comuns são compartilhados. Pode-se dizer, por isso, que Lippmann foi um precursor da tradição sociológica da construção social da realidade.
Por outro lado, os estereótipos também cumprem uma função integrativa de nossa experiência. Isso se dá porque temos inúmeras limitações de acesso aos fatos, tais como restrições de tempo para realizar uma investigação pessoal ou o distanciamento dos acontecimentos sociais. Vivemos em uma realidade complexa e o ser humano tem uma necessidade natural de dar sentido às coisas e às suas experiências. Os estereótipos, então, permitem que as pessoas tenham a sensação de compreensão da realidade, ainda que os juízos não tenham base empírica sólida.
Como consequência disso, grande parte do que entendemos ser uma interpretação precisa da realidade não passa de uma construção meramente mental. Lippmann chama essa realidade ficcional, baseada em estereótipos, de pseudoambiente.
Os reflexos disso para a democracia são claros: as pessoas formam uma concepção imperfeita e caricatural da realidade, mas atuam na realidade concreta, onde tomam decisões importantes. Se isso é verdadeiro com relação a experiência direta e imediata do indivíduo com o seu entorno, mais ainda o é quando as informações sobre acontecimentos distantes chegam por intermédio dos meios de comunicação.
É inegável que a imprensa influencia significativamente a percepção dos cidadãos sobre dos fatos relevantes em uma democracia. Mas o espaço (físico ou temporal) da imprensa também é limitado, de modo que a seleção do que será notícia é inevitável. Não se trata, como se vê, de manipulação, embora isso possa ocorrer.
Ademais, as empresas de comunicação vivem de lucro. Por isso, elas têm de transmitir a informação de forma simples e compactada para torná-la compreensível e, assim, atrair a atenção do público a fim de manter o interesse dos anunciantes.
Dessa forma, a imprensa reforça os estereótipos e potencializa os pseudoambientes. Portanto, mais informação não significa, necessariamente, maior esclarecimento e, por consequência, o aperfeiçoamento da democracia. Lippmann chega a anunciar que a imprensa dá apenas a notícia, sinalizando a ocorrência de um fato, sem transmitir, entretanto, a verdade.
Se o diagnóstico de Lippmann é correto, sua solução não é particularmente democrática. Lippmann pretendia criar um corpo de especialistas responsáveis por reunir e interpretar informações para a tomada de decisões em nome do público.
É certo que somente um Deus onipresente e onisciente teria compreensão completa e perfeita da realidade. Mas Lippmann, como se pode inferir, admite que haja gradação na capacidade de percepção e de precisão na decodificação das informações, daí a sugestão da delegação aos especialistas.
Porém, mesmo sem adotar-se a solução de Lippmann, sua crítica suscita reflexão importante: se o cidadão desfruta de grande liberdade para formular juízos sobre a realidade que o cerca com fins de tomada de decisões de grande repercussão social, sua responsabilidade é, então, considerável.
Essa responsabilidade envolve, entre outras coisas, o reconhecimento da limitada capacidade de compreensão e de absorção de tanta informação em um mundo tão complexo; de que há discussões públicas controversas mesmo para os especialistas; de que a imprensa fornece fragmento incompleto dos acontecimentos; de que julgamentos superficiais levam a decisões desastradas; e de que, em suma, cabe a cada um se informar adequadamente.
Somente com cidadãos mais responsáveis a democracia se aperfeiçoa.